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domingo, 27 de novembro de 2011

‘Não podemos mudar o passado, mas sim aprender com o vivido’

A jornalista Marcia Scantlebury, diretora do Museu da Memória e dos Direitos Humanos do Chile foi vítima do terror promovido pelo Estado chileno, quando o ditador Augusto Pinochet esteve no poder após o golpe contra Salvador Allende. Em junho de 1975, ela estava com os filhos em casa, quando chegou uma patrulha da polícia política e a levou, vendada, para o que ela chama de “antessala do inferno”. “Eu me sentia suja, vazia e humilhada”. 
 
Rio de Janeiro – A jornalista Marcia Scantlebury, diretora do Museu da Memória e dos Direitos Humanos do Chile, esteve no Brasil na última semana e, sob o silêncio atento de um auditório lotado na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, que acompanhava o primeiro seminário do Ciclo de Debates “Direitos Humanos, Justiça e Memória”, ilustrou com a sua própria experiência a importância de recontar a história da ditadura militar na América Latina. Marcia foi vítima do terror promovido pelo Estado chileno, quando o ditador Augusto Pinochet esteve no poder após o golpe contra Salvador Allende.

Em junho de 1975, ela estava com os filhos em casa, quando chegou uma patrulha da polícia política e a levou, vendada, para o que ela chama de “antessala do inferno”. “Eu me sentia suja, vazia e humilhada”. Era Tres Álamos, um dos centros de torturas mais famosos do Chile naquele período. “Este é o meu testemunho; só um de milhares de homens e mulheres que estiveram na resistência contra a tirania”.

Ela lembra que, assim como ocorreu no Brasil em relação à Comissão da Verdade – apesar de o projeto ter sido apresentado ainda no governo do ex-presidente Lula –, foi uma presidenta mulher e também ex-militante política perseguida pela ditadura que teve a iniciativa de criar o museu, que é visitado mensalmente por milhares de pessoas. “Não podemos mudar o nosso passado, mas podemos aprender com o vivido. Este é o nosso grande desafio”, ensina, citando a ex-presidenta chilena Michele Bachelet, quando lançou a pedra fundamental do museu em dezembro de 2008. Foi concluído em 2009. “A criação do museu deixou em descoberto o que antes permanecia silenciado”, resume a diretora.

Em um país ainda dividido, a presidenta Bachelet sabia das dificuldades de erguer o Museu. “A memória se constitui num território de disputa cultural e política. Se alguns têm a conveniência passar a página para uma hipotética conciliação nacional, a impossibilidade de estabelecer uma visão única [sobre a ditadura] não podia ser pretexto para dar respaldo ao ocorrido. O desafio era enfrentar o passado de violação sistemática de direitos humanos por parte do Estado chileno”, reconstrói Marcia Scantlebury, numa aproximação com o debate que ainda está sendo amadurecido no Brasil, mesmo após 26 anos do início do primeiro governo civil após a ditadura.

Marcia Scantlebury cita Primo Levi, escritor e militante italiano já falecido, ex-prisioneiro do campo de concentração de Auschwitz, para afirmar o compromisso dos que ficaram vivos para recontar a história: “que as palavras dos que já não podem falar encontrem um espaço, um âmbito de audição, uma representação no próprio presente”. O museu, segundo Scantlebury, vem coroar a resistência do povo chileno contra a ditadura. “A materialidade fala por si mesma. Denuncia e evidencia o sucedido”, descreve. 

Hoje, a maioria dos chilenos reconhece que o Estado violava direitos humanos e rechaçam o ocorrido. A ideia é que o projeto permaneça dialogando com os jovens, servindo de ponte entre o passado e o presente, além de debater questões atuais, como a vida de povos originários e imigrantes peruanos, a violência doméstica, entre outros temas.

O Ciclo de Debates “Direitos Humanos, Justiça e Memória” ainda tem atividades programadas para as cidades de São Paulo, Porto Alegre e Brasília. A Carta Maior fará a cobertura dos seminários. A programação completa está disponível no site da Flacso ( www.flacso.org.br ). 

fonte:
http://correiodobrasil.com.br/nao-podemos-mudar-o-passado-mas-sim-aprender-com-o-vivido/333803/

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