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sábado, 7 de abril de 2012

Novas tecnologias permitem descobertas de obras de arte

RIO - O nome da máquina desenvolvida por Cristiane Calza justifica os ares de ficção científica que costumam rondar a doutora em engenharia nuclear. O "equipamento portátil de fluorescência de raios X" serve para analisar obras de arte detalhadamente e, quem sabe, trazer à luz tesouros desconhecidos. 

No mês que vem, a engenhoca da pesquisadora será direcionada para 20 pinturas do século XIX do acervo do Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), no Centro do Rio.A retomada do projeto, batizado de O X da Arte, vem na esteira de uma série de descobertas internacionais de obras de arte a partir do uso de tecnologia - de raios X a técnicas mais agressivas, com sondas e microcâmeras inseridas nas telas. A alta tecnologia ajudou a encontrar, em março, um Van Gogh, na Holanda, e ainda alimenta a procura incessante por um Da Vinci, na Itália. No Brasil, as buscas já resultaram na descoberta de duas pinturas em uma, ambas de Eliseu Visconti (1866-1944). Descobriu-se que o artista havia pintado "Gioventú" (1898) sobre um estudo completo para outra tela, "Recompensa de São Sebastião" (1898).
Equipamentos precisos
Pesquisadora do Laboratório de Instrumentação Nuclear da Coppe, a pós-graduação em engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Cristiane diz acompanhar pesquisas internacionais, até porque é "fascinada por arte e arqueologia em geral, desde criança":
- A tendência é que cada vez mais surjam descobertas interessantes, não só devido ao crescente interesse na análise científica de obras de arte, por parte de cientistas e de profissionais de museus, mas também pelo desenvolvimento de novas tecnologias que possibilitam equipamentos cada vez mais compactos, precisos e não invasivos.
As pesquisas geralmente não visam as descobertas - o primeiro objetivo é criar um registro completo do trabalho analisado. Procura-se saber, por exemplo, se a pintura já foi restaurada, se há pigmentos de datas diferentes e em que extensão da tela foram aplicados.
Segundo Cristiane, a "portabilidade" das máquinas, ligadas a computadores por cabos do tipo USB, permite que as obras sejam analisadas dentro dos próprios museus, sem transportá-las a laboratórios especializados. É dessa forma, levando seu equipamento até o MNBA, que a pesquisadora vai trabalhar, a partir de 2 de maio, na análise de telas de Victor Meirelles, Pedro Américo, Henrique Bernardelli e Castagneto, entre outros. Sobre a possibilidade de descobertas de obras inesperadas, Cristiane é cautelosa:
- A existência de pinturas escondidas sob telas não é um fato corriqueiro como muitos pensam. Em nossos trabalhos até hoje, a única pintura escondida que encontramos foi na obra "Gioventú".
A técnica que será usada no MNBA é similar àquela utilizada na recente descoberta de dois Van Gogh numa mesma tela. O achado, em março, no museu Kröeller-Müeller, na Holanda, foi possível graças à fluorescência de raios X, que permite ver com detalhes uma segunda obra escondida, se ela realmente existir.
Polêmica na Itália
No caso de Van Gogh, havia motivos para desconfiar: ele escreveu, numa carta ao irmão Theo, que havia pintado "algo grande, com dois torsos nus". A tela, porém, era desconhecida. Paralelamente, o museu Kröeller-Müeller guardava uma grande natureza-morta, que julgava ser de Van Gogh. Aplicados nessa tela, os raios X comprovaram não só a autenticidade da natureza-morta, como detectaram, atrás da primeira camada de tinta, a pintura de corpos nus de dois lutadores.
Diferentemente dos casos holandês e brasileiro, na Itália, as pesquisas do chamado "Lost Da Vinci" ("Da Vinci perdido") têm sido mais "invasivas" - e polêmicas.
Em busca do afresco "A Batalha de Anghiari", que Da Vinci teria pintado em 1505, pesquisadores abriram seis orifícios num mural de Giorgio Vasari, em Florença. Sondas com microcâmeras foram introduzidas na tela para procurar, atrás da primeira camada de tinta, o Da Vinci. O líder da investigação, Maurizio Seracini, professor da Universidade da Califórnia, movia-se por uma pista: uma pequena bandeira na obra de Vasari traz o texto "cerca trova" - algo como "quem procura acha". Em março, somou-se à pista o fato de suas sondas terem encontrado na tela pigmentos idênticos aos que Da Vinci usava.
Perfurar o quadro de Giorgio Vasari foi considerado uma agressão por historiadores da arte como Tomaso Montanari, da Universidade de Nápoles. Ele organizou um abaixo-assinado contra a pesquisa de Maurizio Seracini e obteve mais de 500 assinaturas. Na lista, estão nomes como Keith Christiansen, curador-chefe do departamento de pintura europeia do Metropolitan, de Nova York, Patricia Rubin, diretora do Institut of Fine Arts, de Nova York, e Luke Syson, curador de pintura italiana da National Gallery, de Londres.
Em entrevista ao GLOBO, Montanari diz que, por ser patrocinada por um canal de televisão (o National Geographic), a pesquisa é "uma ação de marketing, e não análise científica".
- Não existem respostas, apenas teorias da conspiração ao modo Dan Brown (autor do best-seller "O Código Da Vinci") - diz Montanari. - Usar a bandeira de Vasari como pista é uma demonstração da pouca seriedade da pesquisa. Aquele estandarte tem uma explicação política e histórica, que remonta à guerra de Cosimo pela conquista da região de Siena. Não é uma mensagem numa garrafa destinada ao futuro. É, sim, uma mensagem política de Vasari a seus contemporâneos.
Cautela no Rio
A pesquisadora Cristiane Calza defende as "técnicas não destrutivas", como o uso de raios X, que "não necessitam de retirada de amostras para análise e não causam danos à obra".
- Esse aspecto é de extrema importância para o estudo de obras de arte, pois estamos lidando com objetos únicos, de grande valor não só artístico, como histórico-cultural e, muitas vezes, financeiro, já que algumas obras são avaliadas em milhões de dólares.

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