RIO
- Em nenhum outro país da Europa a crise econômica é tão dramática, e
em nenhum outro país do mundo a herança cultural é tão antiga e vasta: o
que está em perigo na Grécia é patrimônio mundial. Para além das
dificuldades que os novos criadores encaram (leia no quadro abaixo), o
legado de milhares de anos está ameaçado, alerta a Associação Grega de
Arqueólogos num apelo internacional contra a redução de orçamento,
pessoal e condições.
"Em nome da crise econômica global e com o FMI a atuar como Cavalo de
Troia, as medidas de austeridade têm minado os serviços públicos", diz o
texto. "Nós, os 950 arqueólogos gregos, funcionários públicos ao
serviço do Ministério Helênico da Cultura, lutamos contra a destruição
tanto da nossa pátria como da nossa herança cultural, devido às
políticas ditadas pelo FMI e pela Troika (formada pelo próprio fundo,
pela União Europeia e pelo Banco Central Europeu)."
Os arqueólogos dão exemplos de como a segurança tem sido afetada
pelos cortes. Em janeiro, um Picasso e um Mondrian foram levados da
Galeria Nacional de Atenas: os ladrões entraram pela varanda, durante
uma greve de funcionários. Em fevereiro, dezenas de peças "de valor
incalculável" foram roubadas de um museu em Olímpia, o lugar original
dos Jogos Olímpicos: os ladrões destruíram o alarme e amarraram uma
funcionária. Enquanto isso, dezenas de escavações ilegais
multiplicaram-se por toda a Grécia, gente em busca de algo valioso para
vender. E quem aproveita é o tráfico internacional de arte.
Como Iraque e Afeganistão
"Os povos da Europa partilham o mesmo destino", resumem os
arqueólogos. "As mesmas medidas de austeridade que estão a desfazer a
Grécia e os seus monumentos vão ser impostas pela Europa. A cultura é o
nosso território comum e o nosso destino comum. Resistam!"
O apelo foi lançado em abril, conta ao GLOBO a presidente da associação, Despina Kutsumba, de 38 anos.
- Até agora não tivemos resposta do ministério (Helênico da Cultura e
Turismo). Durante dois anos tentamos explicar ao governo que estes
cortes levariam ao desastre, mas eles não entenderam nada e continuaram.
Depois do roubo de Olímpia decidimos fazer o apelo internacional para
os constranger.
Além de mensagens no Facebook, as reações estrangeiras incluem "uma
carta de apoio de Jack Lang", ex-ministro francês da Cultura.
- Não pedimos dinheiro, pedimos que pressionem o nosso governo -
explica Despina. - De acordo com a constituição, os monumentos são
responsabilidade do governo. E agora até a Acrópole e o Museu
Arqueológico de Atenas fecham às três da tarde porque não temos guardas.
Há tantos turistas, e eles não podem ver as coisas, e não teremos o
dinheiro desses bilhetes.
No horário de verão, como o que vigora atualmente museus e sítios
arqueológicos na Grécia fechavam às 19h. Até essa hora, a qualquer dia
da semana, havia sempre gente em volta do Partenon, o mais célebre
monumento da colina da Acrópole.
Enquanto isso, milionários aproveitam a crise.
- Não é verdade que não estejamos a proteger os nossos monumentos,
embora o governo diga que os funcionários não fazem o seu trabalho, mas
nós, arqueólogos, não nos podemos proteger dos colecionadores ricos que
encomendam coisas da Grécia - diz Despina. -Temos a certeza de que o
roubo de Olímpia foi uma encomenda de um colecionador privado, porque
são coisas muito conhecidas, que não podem ser postas à venda no
mercado. Os colecionadores estão a pedir que roubem para eles, como
aconteceu no Iraque e no Afeganistão. É um tráfico global. Essas pessoas
preferem países com guerras, em profunda crise ou pobres. E agora
encontrarão gente desesperada para fazer escavações ilegais para eles.
São dezenas de buracos por toda a Grécia, todos os meses, feitos por
profissionais e gente sem emprego.
O jornalista Nikolas Zirganos, 53 anos, que investigou o tráfico de antiguidades, confirma:
- Há um grande aumento de escavações ilegais. Depois das Olimpíadas
(de 2004), isso diminuiu, mas agora mais e mais pessoas estão
desesperadas para encontrar um tesouro.
Durante uma década não houve roubos, mas desde o começo do ano houve vários, incluindo a riquíssima Grécia bizantina.
- É alarmante - diz Nikolas. - Nos mosteiros e nas igrejas,
especialmente no norte, estão a roubar o dinheiro que as pessoas doam,
afrescos e ícones. Há um colapso dos mecanismos do Estado. E num cenário
caótico, que é algo em que ainda assim não acredito, e ninguém quer,
pergunto-me se há planos de emergência.
"Enterremos as nossas antiguidades para serem encontradas por
arqueólogos no ano 10000, quando os gregos e seus políticos tiverem
maior respeito pela História", ironizou recentemente o arqueólogo
Michalis Tiverios, de Tessalônica, no norte do país.
Ex-responsável pelo restauro do Partenon, que está a ser feito há
décadas com financiamentos internacionais, o perito Manolis Korres diz
que a crise ainda não afetou os monumentos principais, e o trabalho dos
investigadores prossegue.
- Mas muito disso vai depender da excepcional dedicação de
arqueólogos e de todos os que trabalham com antiguidades na Grécia.
Continuam a fazer o melhor que podem, apesar das reduções dramáticas no
salário e de o trabalho de muitos ter passado a ser feito por poucos.
O GLOBO tentou contactar por e-mail e telefone o Ministério Helênico
da Cultura e Turismo, que neste momento tem um responsável interino, mas
não obteve resposta. O momento atual é de transição de poder: eleições
gerais acontecem no próximo dia 17.
Reportagem publicada no vespertino para tablet O GLOBO A MAIS
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