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sexta-feira, 22 de junho de 2012

Memória e identidade do povo barrosão disponível online



Depois de estudar a cultura alimentar flaviense, a antropóloga Daniela Araújo reuniu a memória e a identidade colectiva do povo que habita as serras barrosãs em 13 livros digitais, no âmbito do projecto “As Culturas de Trabalho no Barroso”, que resultou de uma parceria entre a UTAD, o Ecomuseu de Barroso e a Câmara Municipal de Montalegre.



“Pode-se olhar para o pastoreio centrando a análise nas pessoas mais idosas ou colocando o enfoque nos jovens que guardam o gado percorrendo os montes em Moto 4”. Para Daniela Araújo, antropóloga e investigadora da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), ambas as leituras são válidas para perceber o que permanece e o que mudou nas “Culturas de Trabalho no Barroso”, um projecto de investigação para intervenção museológica que a levou a ouvir as histórias de vida dos barrosões e, com isso, despertar olhares diferentes sobre o novo mundo rural.



Preservar a memória colectiva de um povo num tempo duramente afectado pelo envelhecimento da população e divulgar esse património imaterial junto da comunidade local e dos visitantes do concelho de Montalegre foram os principais objectivos deste projecto, que resulta de uma parceria do Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento (CETRAD) da UTAD com o Ecomuseu de Barroso e a Câmara Municipal de Montalegre, no âmbito de uma candidatura ao QREN. A temática do trabalho “surgiu da necessidade do Ecomuseu produzir conhecimentos sobre práticas culturais que estão a sofrer alterações profundas ou que apresentam risco de extinção”, explicou Daniela Araújo, autora da primeira tese de doutoramento em Antropologia da Alimentação defendida na UTAD sobre a cultura alimentar de Chaves.



Assim, após 10 meses “de constante descoberta e deslumbramento” em Montalegre, resultaram 13 livros que retratam em quê e como se trabalha e produz no Barroso: O artífice dos metais, Uma horta em Tourém, O Sabão, Filhós, Memórias e quotidianos alimentares nas Minas da Boralha, Alheiras e Presuntos, O Regadio do Ribeiro, A Croça, O Mel do Barroso, As Carvoadas de Gralhas, A Manteiga e A Vezeira. Apesar de ainda estar por agendar a entrevista para concretizar o último livro – A Capa de Burel –, os restantes já podem ser consultados na Internet no site do projecto, cujos ficheiros em formato PDF estão disponíveis no site da Câmara de Montalegre (http://static.cm-montalegre.pt/culturas_trabalho/).



Face a uma cultura tão vasta e rica como a barrosã, os temas foram tratados procurando “casos ilustrativos junto das comunidades locais” através de uma análise etnográfica, sem contudo cair na tentação de produzir “leituras folcloristas, essencialistas e centradas no passado”, explicou a investigadora natural de Figueira da Foz. Prova disso foi a escolha de entrevistar um cidadão alemão que há 15 anos decidiu fixar-se na aldeia de Outeiro no tema dedicado à arte de trabalhar o ferro, ou de retratar a experiência migratória de um casal no tema da horta. Apesar da existência de vários relatos de jovens, em alguns casos, os entrevistados “são os últimos representantes de algumas práticas, reforçando-se ainda mais o carácter de urgência e de salvaguarda na recolha dos seus testemunhos”, nota a antropóloga.



Projecto vai permitir realizar exposições e workshops no Ecomuseu de Barroso



A ideia “low cost” de lançar “livros digitais” resultou do facto de Daniela Araújo e da equipa do Ecomuseu não quererem produzir um trabalho de mero “consumo institucional”, mas antes “um modelo que, sempre numa linha de rigor científico, pudesse ser direccionado para o público em geral”. Apesar de só estarem online há poucas semanas, “temos tido uma reacção muito positiva ao projecto, que nos chega através dos comentários deixados no site, nomeadamente de naturais do concelho na diáspora que, através da leitura dos livros, reactualizam os laços com a comunidade de origem”, nota Daniela Araújo.



Da experiência, a antropóloga partilha que as pessoas contactadas “foram sempre de uma imensa generosidade em partilhar as memórias, práticas quotidianas e saberes. Abriram-nos as portas das suas casas, dividiram connosco as suas refeições, disponibilizaram-se para entrevistas morosas e minuciosas”. A investigadora, que actualmente prepara o projecto de pós-doutoramento sobre as paisagens rurais, agrícolas e alimentares de Montalegre, não deixa contudo de destacar o apoio logístico e de elo à comunidade prestado por toda a equipa do Ecomuseu de Barroso.



No final, este trabalho servirá de base para realizar exposições temporárias nos diversos pólos do Ecomuseu de Barroso, até porque alguns entrevistados “mostraram-se disponíveis para realizar workshops sobre as técnicas que praticam”, conclui Daniela Araújo, que acredita que “uma comunidade conhecedora do seu capital cultural é uma comunidade mais esclarecida e interventiva, capaz de gerar outros conhecimentos sobre si mesma”. Exemplo disso foi o que sucedeu na aldeia de Gralhas, com a própria comunidade a mobilizar-se para fazer a reconstituição da produção de carvão e o seu registo em filme, que mais tarde acabaria por servir de guião para a Associação Recreativa, Desportiva e Sócio Cultural de Gralhas reconstituir as carvoadas na Serra da Lagoa.


Sandra Pereira
fontte:
http://diarioatual.com/?p=61188&ec3_listing=disable

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