No mundo existe cerca de seis mil línguas. Só nas Américas, são mil
línguas. No Brasil, são 238 povos e cerca de 160 línguas. Estima-se que
no ano de 1500 eram mais de 1200 línguas no território brasileiro.
“Dessas seis mil línguas no mundo, hoje, pelo menos 43% estão ameaçadas.
Estima-se
que, se nada for feito, mais da metade desse total irá desaparecer em
100 anos. Com isso, a humanidade perde não apenas riqueza cultural, mas
também importante conhecimento ancestral embutido em especial nas
línguas indígenas”, relata Antônia Fernanda Nogueira, bolsista do
Programa de Capacitação Institucional (PCI), ao iniciar sua apresentação
na Semana dos Povos Indígenas 2012 do Museu Paraense Emílio Goeldi.
Mestra
em Linguística pela Universidade de São Paulo (USP), Antônia Fernanda
alertou sobre o declínio da diversidade linguística dos índios na mesa
redonda sobre Documentação: estratégia de fortalecimento linguístico e
cultural, realizada no dia 18 de abril, no Auditório Alexandre Rodrigues
Ferreira, no Parque Zoobotânico do Museu Paraense Emílio Goeldi.
Participaram
também Ana Vilacy Galúcio, linguísta, responsável da Coordenação de
Ciências Humanas do Museu Paraense Emílio Goeldi (CCH/MPEG), e Suzana
Primo, índia Karipuna do Oiapoque, formada em Ciências Sociais pela
Universidade Federal do Pará (UFPA), técnica em atividades museológicas
da Reserva Técnica de Antropologia do Museu Goeldi, local com vasto
acervo de cultura material dos povos indígenas.
A UNESCO
classificou as línguas indígenas brasileiras a partir do grau de
Transmissão Intergeracional, ou seja, transmissão para as novas
gerações. “Os critérios mostraram que as línguas são vulneráveis, quando
a maioria das crianças fala a língua, mas isso se restringe a certos
ambientes como a casa. As línguas estão ameaçadas quando as crianças não
aprendem a língua como primeira língua em casa. Estão sob perigo
severo, quando a língua é falada pelos avós e pelas gerações mais velhas
e, embora a geração dos pais entenda a língua, não a usa com as
crianças. As línguas estão sob perigo crítico quando os falantes são
idosos e falam a língua com pouca frequência e apenas parcialmente”,
explica.
REVITALIZAÇÃO
No Brasil, o maior caso é de
língua vulnerável (97 casos), ou seja, quando a maioria das crianças
fala a língua, mas isso se restringe a certos ambientes. Logo depois vem
a língua em perigo crítico (45 casos), quando apenas é falada por
idosos. “Essa situação põe o Brasil entre os países com maior número de
línguas ameaçadas. Os países que apresentam maior perigo de
desaparecimento de suas línguas indígenas são Estados Unidos, Brasil e
Índia. O declínio da diversidade linguística implica na redução de
formas específicas de pensamento e expressão uma vez que a língua é uma
parte central da cultura e da identidade étnica”, ressalta a
pesquisadora.
Mas o que de fato significa diversidade
linguística? – “A diversidade linguística é o leque das possibilidades
linguísticas humanas, tanto em termos de estrutura linguística, ou seja,
de fonologia, de semântica, de sintaxe como em termos de comportamentos
comunicativos”, explica Antônia.
A bolsista, durante sua
apresentação, lembrou que todas as línguas têm vogais e consoantes.
“Porém as línguas diferem em quais consoantes e vogais selecionam, e
também como organizam as consoantes e vogais dentro dos seus sistemas
linguísticos”. Por exemplo, a língua Djeoromitxi (falada em Rondônia)
apresenta a consoante africada bilabial [bz], como em bzieko ‘jabuti’,
que não existe no sistema consonantal do português.
Para ocorrer a
morte de uma língua, são necessários vários fatores como a perda
populacional, poucos falantes remanescentes, pressões sociais,
políticas, econômicas, línguas vistas como inferiores, línguas
consideradas como um empecilho para ascensão social, falta de programas
educacionais e a não valorização das línguas indígenas.
Porém, o
fator mais grave para a morte de uma língua é a ruptura de transmissão
intergeracional. Antônia explica que, quando as crianças de uma
determinada etnia não falam mais a sua língua, ela está destinada à
morte. “Foi o que acontece com a língua Wayoro, no estado de Rondônia.
As crianças não falam mais a língua. Então, se projetos de documentação,
de revitalização da língua não entrarem em ação rapidamente, ela
possivelmente desaparecerá”.
Para revitalizar uma língua já
considerada morta, o processo é mais difícil. É preciso fazer uma
documentação do que foi deixado, procurar material que exista para que
possa ser adequadamente armazenado e, futuramente, usado por projetos de
revitalização. “O processo deve ser feito com o material que exista na
língua. Sem material linguístico não há como realizar documentação e
aspirar por uma revitalização da língua”, finaliza Antônia.
DOCUMENTAÇÃO
A
documentação e o arquivamento de aspectos linguísticos e culturais
permitem salvaguardar o conhecimento das etnias documentadas,
possibilitando a disponibilização deste material para as futuras
gerações. A documentação consiste em coleta de arquivos em áudio e
vídeo, tanto de aspectos culturais, como festas, músicas e narrativas
tradicionais como também de documentação especificamente linguística:
lista de palavras, gêneros variados de textos e conversas.
Para
isso, o Museu Goeldi, financiado pelo Ministério da Justiça, por meio do
seu Conselho Federal Gestor do Fundo de Direitos Difusos (CFDD), e pelo
CNPq, implementou entre 2009-2011, no setor de linguística da
Coordenação de Ciências Humanas (CCH), o Centro de Documentação
Permanente de Línguas e Culturas Indígenas da Amazônia. O acervo conta
com mais de mais de 1,2 mil mídias que guardam registros de 78 línguas
indígenas. Esse acervo inclui desde material gravado em equipamentos já
defasados como fitas cassetes, transferidos para um computador mais
seguro para preservar com maior segurança o patrimônio linguístico e
cultural, até os materiais gravados atualmente em mídias já digitais.
“A
presença da comunidade em todo o processo de documentação, desde a
escolha do que se quer que seja gravado ou não seja gravado, as
transcrições do material, até a elaboração dos produtos finais, é
fundamental. O fortalecimento linguístico e cultural é uma consequência
de todo esse trabalho e da disseminação de produtos úteis para a
comunidade. Então, CD’s e DVD’s de história tradicionais, músicas e
festas podem ser rapidamente disseminados pela comunidade”, explica
Antônia.
fonte
(Diário do Pará)
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