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quinta-feira, 5 de julho de 2012

Os desafios dos museus para a conservação da arte digital


Por muitas vezes, questionou-se o museu como uma entidade institucional não adaptada a certas práticas artísticas da arte digital. A arte de caráter efêmero e interativo, feita na rede e para se conectar através dela, não teria sido pensada para estar entre as paredes dos museus e galerias. Sempre existiu, então, uma fronteira entre as estruturas amplas e abertas da arte digital e o papel tradicional do museu.

"Net.flag", Mark Napier
Contudo, isso parece estar mudando. O Solomon R. Guggenheim Museum foi um dos pioneiros na aquisição de coleções de obras de arte digital. Em 2002 a instituição encomendou a obraNet.flag, de Mark Napier, um trabalho dinâmico online que permite aos espectadores modificar a aparência de uma bandeira virtual em tempo real. O museu adquiriu também o trabalho de software com a alteração dinâmica do conteúdo para sua coleção permanente. Como parte do acordo, Napier exigiu que o trabalho fosse mantido sempre vivo.
Para a equipe curatorial do Guggenheim a arte digital pode ocupar o museu, posto que as artes não devem ser separadas por mídias. Além disso, acredita que é preciso que os museus se preparem para a obsolescência da tecnologia efêmera. Os artistas deveriam ser incentivados a imaginar as possíveis formas que seu trabalho possam assumir no futuro. Esse é um viés aceitável, mas que pode ser perigoso, posto que poderia limitar o trabalho do artista que, para se integrar na “roda” de artistas digitais reconhecidos institucionalmente, devam produzir segundo critérios de inclusão nas coleções de museus.
Essa é uma prática que já ocorre especialmente nas galerias que negociam arte digital. A Postmasters Gallery de Nova York, por exemplo, pioneira na introdução das artes digitais no mercado da arte contemporânea, considera que um dos problemas enfrentados pelas galerias que as comercializam está no fato de se constituírem em obras intangíveis. Os formatos específicos das obras podem se tornar um problema, seja porque não se parecem atrativas para os colecionadores acostumados a investir em pinturas, esculturas e fotografias, seja pela necessidade de conservação. Uma das soluções encontradas foi comercializar a obra digital em impresso digital ou como vídeo de uma peça interativa disponibilizado em CD.
Certamente nem todos os artistas concordam com a inclusão de obras de arte digital em coleções de museus e galerias. Muitos deles reivindicam o caráter livre dessa prática artística. Concedê-la a uma instituição poderia submetê-la ao risco de não ser mais livre e facilmente acessível.
Enquanto segue a discussão sobre as possíveis limitações sofridas pelo artista digital para adequar seus trabalhos ao mercado da arte, o que já é consenso entre artistas, curadores, colecionadores e pesquisadores é que arte digital tem o seu impacto no patrimônio cultural e não pode ser identificada como uma prática isolada, mas sim inserida em um contexto mais amplo da arte contemporânea.
Digital Art Conservation, exibição no ZKM – Media Museum
Dessa forma, a necessidade de preservação da arte digital é uma emergência. O legado deixado pelas artes das novas mídias faz parte do patrimônio da nossa cultura. Museus, fundações e colecionadores tem se dado conta da importância da arte de nosso tempo. Aumentam sua coleção, mas, ao mesmo tempo, se dão conta de que essas obras exigem manutenção. Então, proporcional à aquisição, aumentam os problemas associados à preservação da mídia instável: a deterioração física dos componentes, a rápida obsolescência tecnológica e as especificidades do equipamento e formato do conteúdo da obra.
A deterioração da tecnologia se produz quando uma parte da obra de arte já não funciona dado um erro mecânico ou uma debilidade físico-química de seus materiais. Pelo uso prolongado, qualquer tecnologia pode ser vulnerável à deterioração. A obsolescência da tecnologia se produz quando uma tecnologia já não é mais utilizada, posto que tanto o formato de seu conteúdo como o equipamento necessário para sua manutenção já não estão mais disponíveis no mercado. Quando um componente utilizado em uma obra de arte se torna obsoleto ou antiquado a obra de arte deixa de funcionar.
Além disso, obras de arte digital contem componentes tecnológicos que são elementos integrantes da obra e considerados parte do formato de seu conteúdo. A presença desses elementos são essenciais para a experiência do interator com a obra, já que contem a informação que constitui a fonte principal da obra.
Nesse sentido, no âmbito da arte digital tudo está condenado a morrer. Somente a intervenção humana contínua torna possível prologar a existência desses objetos instáveis e efêmeros. Quando o esqueleto de um trabalho digital complexo falha, e não há suporte, inevitavelmente a obra tende a morrer.
Logo, ao adquirir uma obra de arte digital, o museu também adquire a responsabilidade de conservá-la. A questão é: como conservar o intangível? Como conservar a arte digital? Para que se preserve a arte digital são necessários sistemas eficazes de restauração, conservação e arquivamento das obras.
Uma primeira solução para os museus é instituir um departamento específico dedicado aos novos meios, do qual se encarreguem conservadores especializados em tecnologia digital. E esse é já um problema evidente. Faltam profissionais especializados nesse setor.
Alguns dos principais museus do mundo já dispõem de departamento específico para a conservação da arte digital. Além do Guggenheim (curadores Carol Stringari e Jon Ippolito) – já mencionado anteriormente no artigo –, Tate Gallery de Londres (Pip Laurenson), o Museu de Arte Moderna de São Francisco (Jill Sterret), já dedicam atenção especial às artes digitais.
Ao longo do tempo, parcerias também vem sido criadas para a preservação dessas práticas artísticas. Por exemplo, em 2002, o Guggenheim estabeleceu colaboração com a Daniel Langlois Foundation para a Arte, Ciência e Tecnologia, com sede em Montreal, para formar a Variable Media Network (Rede de Mídia Variável), um esforço para melhorar as práticas de conservação das obras digitais. Membros da Variable Media Network e Ciao se uniram a outras organizações, incluindo Rhizome.org, um afiliado do New Museum of Contemporary Art, para empreendimentos coletivos de preservação, tal como o arquivamento Avant Garde. Essa colaboração, que surge com a rubrica “Forging the Future”, é administrada pelo Still Water lab, da Universidade de Maine, e oferece ferramentas de código aberto e livre para a preservação da arte digital.
Ações isoladas ou colaborativas permitiram a realização de interessantes abordagens e estratégias de conservação da tecnologia a fim de permitir o funcionamento contínuo da arte digital. Variable Media Questionaire (Questionário de Mídia Variável) e Mediadata Standards são dois desses sistemas. O primeiro foi desenvolvido por Jon Ippolito, em 2000. O Questionário de Mídia Variável é uma forma interativa ligada a um banco de dados maior que é projetado para capturar informações sobre o comportamento digital e performativos das obras de mídia variável adquiridas pelo museu. O objetivo é auxiliar artistas e profissionais do museu na compreensão das necessidades da obra de arte quando sejam necessárias alterações futuras que favoreçam sua continuidade.
Já o Mediadata Standards foi desenvolvido por Richard Rinehart, diretor e curador adjunto do departamento de mídias digitais do Berkeley Art Museu. A partir da metáfora de partitura musical, e nas informações adquiridas de documentos como o Questionário de Mídia Variável, seria possível traçar a espinha dorsal da obra de arte, a fim de poder reinterpretá-la posteriormente, quando o curador se depare com algum problema técnico, evitando, assim, sua extinção.
Certamente, essas ferramentas de conservação são bem interessantes e merecem uma melhor análise do que essas breves definições. Mas isso já é pauta para o próximo artigo da série Panorama do Mercado da Arte Digital.
Sobre O Autor
Fundadora e Diretora do site TecnoArteNews. Pesquisadora independente de artes e novas tecnologias. Doutora em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Mestre em Letras - Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Juiz de Fora.

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