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terça-feira, 3 de julho de 2012

Restauradores têm a missão de preservar a história

odas as cores estão à mostra. O azul reluzente do céu, a tonalidade diferenciada na nudez dos índios, o dourado da terra conquistada. Tomando a extensão de uma parede do Palácio Lauro Sodré, a “Conquista do Amazonas” se impõe sobre o diverso acervo do Museu do Estado do Pará (MEP) e guarda não apenas o trabalho do pintor e ilustrador Antônio Diogo da Silva Parreiras, mas, também, traz estampada em sua face a dedicação de mais dez pessoas.

Encomendado por Augusto Montenegro - último governador a morar na atual sede do MEP - em 1905, entregue em 1907, a tela, que reconstrói a posse do Brasil pela colônia portuguesa, não ultrapassou intacta pelos seus 105 anos de existência. Para devolver a vida estampada em cada pincelada de Antônio Parreiras, a obra recebeu por oito anos o trabalho silencioso e fundamental da restauração. “Essa tela é um dos dez quadros mais importantes da pinacoteca Brasileira”, avalia o diretor do MEP, Sérgio Melo. “Foi preciso um trabalho de restauro longo para que ele fosse devolvido à comunidade”.

Restaurador, além de diretor do museu, Sérgio Melo destaca o trabalho realizado na obra que manteve, ao máximo, a originalidade da pintura, preocupação que, segundo ele, caracteriza a prática da restauração. “O restauro busca a originalidade e essa é a grande diferença do restauro para a reforma. Produzir um falso histórico, desrespeitando o trabalho original do pintor, não é restauro. Com o processo de restauração você consegue, inclusive, identificar o arrependimento do autor. É possível identificar quando o pintor estava fazendo uma coisa e, de repente, se arrepende e faz outra coisa por cima”, explica. “A tela fala”.

PESQUISA

O falar de sua história pela tela começa bem antes de qualquer intervenção. De acordo com Sérgio Melo, antes mesmo da fase de limpeza do material, o restaurador inicia um intenso trabalho de pesquisa sobre a obra que irá restaurar. “Antes de qualquer restauro, o objeto é registrado, é feita uma pesquisa sobre as características originais, sobre a intenção do artista”, afirma. “Quando se foi restaurar o ‘Conquista do Amazonas’ descobriu-se que o pintor quase morreu para poder pintar aquela tela. Ele se resguardava muito tempo em ambiente fechado, pegou malária indo nos locais para analisar a vegetação que seria pintada...”.

Na sequência das obras restauradas para o MEP estão cerca de 80 retratos de governadores e capitães generais que figuravam as paredes do palácio quando ele ainda servia de moradia para os gestores do Estado. Sob a responsabilidade da Coordenação de Conservação e Restauro do Sistema Integrado de Museus (SIM) do Estado do Pará, os quadros já passam pelo processo que os devolverão ao local de origem.

Sob a mesa de trabalho da restauradora e coordenadora de conservação e restauração do SIM, Renata Maués, o retrato de um tenente tenta voltar à forma original. Encontrado na década de 1970 já com sua estrutura deteriorada, o retrato recebe, hoje, os cuidados do restauro. “É uma peça que sofreu dano provocado por cupim e chegou a estragar o suporte correndo risco de perder o conteúdo informativo do objeto”, lembra. “E a restauração objetiva justamente devolver o conteúdo informativo a obra”.

CONSOLIDAÇÃO

Iniciado o processo de devolução, o quadro já está na etapa de consolidação do suporte perdido com o tempo. “É feito o preenchimento dos espaços perdidos por um tecido similar”, explica Renata. “Após isso, é feito o nivelamento e a reintegração com recomposição do desenho. Mas não se pinta todo o fundo, só as áreas afetadas. Restauração não é repintura”.

Tendo como base uma fotografia da obra descoberta na fase inicial da pesquisa, a restauradora seguirá as cores e os formatos originais das partes já deterioradas. O estudo resultou não apenas na identificação da imagem que registrou a obra em estado mais conservado, mas também possibilitou que Renata identificasse a identidade do homem retratado. “É um retrato de Lauro Sodré que é importantíssimo para o acervo do MEP porque ele é quem dá nome ao palácio. É uma referência ao próprio espaço museológico”.

Apesar das descobertas históricas da pesquisa, a restauradora ainda ressalta a importância da própria obra na descoberta de novas informações. “Fazemos a pesquisa prévia, mas o objeto acaba se tornando a maior fonte de informação porque conseguimos descobrir o tipo de paleta, o tipo de tinta que o pintor utilizava... Em alguns casos de obras não assinadas conseguimos identificar o pintor da obra apenas pela paleta que ele usava em outras obras, pela forma de pincelar daquela obra...”, destaca. “A restauração ajuda a descobrir informações que estão por trás daquela obra. Através da restauração é possível traçar a trajetória daquele artista”.

(Diário do Pará)

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