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quarta-feira, 27 de março de 2013

Museu da Família, em toda sua inovação, já pode ser considerado o maior projeto de preservação da memória social já feito no Estado.

100 mil museus

Fotos antigas como esta, por exemplo, da família de Edson Pereira, serão digitalizadas para compor o projeto (Crédito: Arquivo do Museu da Família)
Instituto de Maringá é autorizado a captar mais de R$ 8 milhões para o Museu da Família, que digitalizará as histórias de 100 mil famílias do norte e noroeste do Estado
A Geada Negra, que assolou principalmente o Norte Pioneiro do Paraná na madrugada de 18 de julho de 1975, esvaziou a região. Na época, dos 174 municípios cafeicultores, 71 perderam mais da metade da população e 88 perderam mais de 1/5, segundo o documentário “Geada Negra”, dirigido por Adriano Justino. Cidades pequenas ficaram ainda menores. Distritos sumiram do mapa sem deixar rastro. E não é só uma questão geográfica: apagou-se, com isto, muita história de vida, história de gente que ajudou a colocar no mapa este pedaço do Brasil.
Já virando esta boca pra lá, se vier outra calamidade como a de 75, pelo menos as histórias de tantas famílias da região – e que, em seu conjunto, constroem a verdadeira e rica história local – não mais serão dizimadas assim como os milhares de pés de cafés ceifados pela geada. Isso porque, o Instituto Memória e Vida (IMV) obteve aprovação na Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, responsável pela análise das iniciativas inscritas na Lei Rouanet, para viabilizar o projeto Museu da Família, com captação de R$ 8.215.546. Isso significa a possibilidade, para inúmeras pessoas da região, de garantirem o registro histórico familiar a custo zero.
O Museu da Família, em toda sua inovação, já pode ser considerado o maior projeto de preservação da memória social já feito no Estado. Serão 100 mil famílias, totalizando quase 500 mil pessoas, localizadas em 211 municípios de quatro regiões paranaenses (norte pioneiro, norte central, noroeste e centro ocidental), assistidas pelo projeto e que terão suas histórias familiares registradas por meio da digitalização de diversos materiais históricos – fotos, fitas cassete, filmes, receitas culinárias, exames médicos, películas etc – que comporão uma página da internet no site do Museu da Família. Além da digitalização de material já existente, estão previstas a captura de depoimentos em vídeo de três mil pioneiros e a realização de 50 exposições em pequenos municípios.
Essa espécie de museu particular será uma imensa árvore genealógica digital, com garantia de perenidade em um software livre e com a responsabilidade do IMV em armazenar todos esses dados em um banco confiável.
O presidente do IMV, Edson Pereira, e o diretor de projetos Marcelo Seixas anunciaram ontem que os trabalhos já foram iniciados e que os moradores da região de atuação do projeto interessados em participar já podem acessar o site www.museudafamilia.org.br para obterem informações. Seixas confirmou para 13 de maio, em meio à Semana Nacional de Museus deste ano, em local a definir em Maringá, o evento de lançamento oficial da campanha de cadastramento das famílias para o museu.
Iniciando em maio, o diretor calcula finalizar a primeira etapa do cronograma do Museu da Família – com visitas, esclarecimentos, cadastramentos de famílias e digitalização dos materiais históricos – até outubro deste ano. Para isso, o IMV contará com cerca de 450 pessoas que, direta ou indiretamente, trabalharão no projeto em pelo menos quatro setores: educativo, tecnológico, núcleo histórico e logístico. Cada município terá um professor representando o Museu da Família. Só aí já são mais de 200 pessoas envolvidas. O prazo para a “entrega da obra” é de dois anos.
Começar o processo de divulgação da ideia por meio de professores não foi por acaso. Em uma primeira fase do Museu da Família – iniciada em 2011 na comunidade rural do município de Jussara (a 65 quilômetros de Maringá) – eles perceberam que uma das características marcantes das pequenas comunidades da região é a importância e atuação que escolas estaduais ou municipais têm. E será nelas, contam, que o pontapé inicial será dado e onde, nas cidades com menos de 30 mil habitantes (prioritárias no projeto), funcionarão núcleos de digitalização.
MaringáNo projeto, está previsto para Maringá e Londrina, em pontos estratégicos, a instalação de dois laboratórios de digitalização de documentos históricos de famílias que se interessarem pelo projeto. Eles ainda não definiram uma data para a viabilização dos laboratórios. Mas, segundo Seixas, quando essa etapa se tornar realidade, o processo de digitalização será rápido e as pessoas poderão aguardar a devolução dos documentos tomando um cafezinho enquanto a equipe responsável catalogará os materiais históricos e dados importantes de identificação. “Em 20 minutos, hoje já se consegue digitalizar até 700 documentos.”
Com a ideia ousada, mas muito bem vinda e importante, Edson Pereira ressalta o caráter de preservação da história regional por meio da memória privada e o ineditismo do que chama de “museu de primeira pessoa”. De forma colaborativa e invertendo a ordem habitual dos livros de história – cujos fatos quase sempre partem de cima para baixo e se limitam aos relatos oficiais, aos acontecimentos heróicos das figuras públicas – o Museu da Família pretende, assim, criar, em sua primeira etapa, 100 mil museus, de 100 mil famílias, de 100 mil histórias recheadas de peculiaridades mas que, ao mesmo tempo, contam com uma série de fatores em comum, principalmente a relação irrefutável que todos têm com a terra e com a saga do café nas regiões norte e noroeste do Paraná.
Histórias de família
Quando, em dado momento de sua vida, Marcelo Seixas percebeu o quanto foi importante para suas duas filhas verem um relato gravado que ele fez da bisavó delas, que morreu com mais de 100 anos, não teve dúvida do quanto poderia contribuir para a história pessoal de cada família com o Museu da Família. “Vi o quanto a história da bisavó foi importante para minhas filhas, para saberem que também faz parte da história delas.”
Edson Pereira lembra-se da mãe, que, mesmo já tendo seis filhos, resolveu ainda, em Jussara, adotar outras quatro crianças. “A família é a base e que te passa segurança e conhecimento. Por mais que você esteja distante, você pode voltar para sua família a qualquer momento”, diz. Com o Museu da Família, os dois estão contentes. Afinal, os familiares aumentarão.
*Matéria publicada no D+, do Diário de Maringá.

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