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segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Museu comunitário: templo de memória, cultura e mobilização

À margem da visão tradicional, os novos museus contam e preservam história das comunidades
Nem o salão dedicado aos governadores do Estado, as armas, peças de vestuário do Padre Cícero ou o Bode Ioiô, nem mesmo os antigos artefatos indígenas do acervo - precioso, diga-se de passagem - do nosso Museu do Ceará dariam conta das histórias - e suas múltiplas versões - e a cultura das pequenas comunidades.

O Museu Comunitário do Grande Bom Jardim: FOTO: IGOR GRAZIANO
Na contramão da historiografia tradicional, experiências de museus comunitários, alinhados com a relativamente recente e inovadora corrente da museologia social, resgatam parte deste legado e, assumindo seu papel político na construção da memória, ajudam as próprias comunidades a organizar-se e se reconhecer nesta história.

O Ceará desponta hoje, no Brasil, como a unidade federativa com o maior número de museus comunitários: são pelo menos 30, metade de um total de 60 registrados. Criados, organizados e mantidos pelas próprias comunidades, eles estão reunidos na Rede Cearense de Museus Comunitários e colocam, em conjunto, o Estado como uma referência na área.

Índios
No particular contexto cearense, os museus indígenas são pioneiros e encarados pelas próprias comunidades como importante ferramenta de organização e luta política por reconhecimento. Os índios cearenses chegaram a ser decretados extintos pelas autoridades da Província, em 1860, e constantemente tem sua matriz étnica e cultural negada.

"Antes, nossos guardiães da memória morriam e levavam tudo com eles, não transmitiam tanto conhecimento e histórias. Hoje, isso está ficando gravado e a gente repassa aos mais jovens", compara Eraldo Alves, 38 anos, índio da tribo Jenipapo-Kanindé, de Aquiraz, mais conhecido como Preá. Ele é também um dos guias do Museu Indígena Jenipapo-Kanindé.

Desde 2009, eles mantém aberto aos visitantes e, especialmente, à própria comunidade, um acervo que inclui peças, roteiros e histórias. É que, para este tipo de experiência museológica, a história não é narrada exclusivamente por um acervo material e o processo de construção do acervo é um dos pontos chaves. "A gente colocou no museu o que tinha de mais significativo para mostrar para ao visitante. Mas o nosso museu é de território, não é apenas o que temos nessa sala. Quando o visitante vem, a gente quer que ele conheça o que temos, nossa escola indígena, a Lagoa da Encantada, a praia do índio, as trilhas, a nossa festa do marco vivo", explica Preá.

Além de trajes tradicionais, panela de barro, artesanato, fotografias antigas de lideranças, o acervo do museu é formado pelos espaços e situações identificadas como fontes de sobrevivência ou locais sagrados, os mitos, os ritos e as histórias da luta pela terra, por exemplo. Entram aí, inclusive cenas cotidianas e atividades como o pôr-do-sol na lagoa e a pesca. Tudo identificado como patrimônio da comunidade e transformados em acervo do museu.

Periferia

Outra experiência bem sucedida em museologia social está sendo desenvolvida no Grande Bom Jardim, território formado pelos bairros do Canindezinho, Siqueira, Bom Jardim, Granja Lisboa e Granja Portugal. Inaugurado em agosto do ano passado com a mostra "Jardim das Memórias", o Museu Comunitário do Grande Bom Jardim é uma instituição que surge entre as ações da Rede de Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável do Grande Bom Jardim.

"A gente entende a memória e a museologia como ferramentas políticas. Para uma afirmação de identidade política e de uma identidade territorial. Entendemos isso como estratégia em prol da comunidade", argumenta Adriano Almeida, consultor do museu e militante de direitos humanos. O projeto foi contemplado no primeiro edital Pontos de Memória do Instituto Brasileiro de Museus em 2012.

Articulado pelo eixo de memória da Rede, foi realizado grande inventário nos cinco bairros da região, contando com a participação e sugestões das comunidades. "Identificamos o patrimônio cultural, quais foram e são as grandes lutas da comunidade - como a duplicação da Avenida Osório de Paiva, que durou mais de 12 anos, a luta por acesso a rede pública de saneamento e drenagem, por luz - e os moradores que constituem liderança nessas lutas; as formas de expressão, os grupos musicais literários, teatrais; os movimentos e tendências religiosas", ilustra.

O processo resultou em mais de 50 itens reunidos na exposição para contar essa história. "Nós entendemos a importância das comunidades pastorais, em 1980 e 1990, para o bairro, dos terreiros de umbanda e candomblé. Registramos os ofícios e modos de fazer e saber, da comunidade, identificando produtores, artesão. Descobrimos famílias que trabalham com bio-joias, famílias que trabalham trancelim com palha, produção de artefatos, assessórios com quenga de coco", detalha Adriano sobre o processo de inventário que incluiu realização de rodas de memória nos bairros e contou com pesquisadores da própria comunidade.

A próxima exposição, já está a caminho e terá como tema a criação do bairro propriamente dita e a forte influência religiosa neste processo. "Entendemos nosso museu como uma estratégia discursiva de afirmar, de realizar política afirmativa sobre o território do Grande Bom Jardim. Nessa perspectiva, a gente trabalha uma identidade territorial", diz Adriano Almeida.

fonte:
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1302870

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