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quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Inaugurado no início do mês, o Museu das Mulheres, reúne acervo que debate o papel delas na História e propõe reflexões sobre as representações da identidade feminina da região

Enquanto luxuosas construções e arranha-céus dão forma ao eixo de modernidade no novo centro de Dubai, não muito longe dali, na região conhecida como Gold Souk, na cidade velha, um outro tipo de caminho para o futuro também floresce. Foi ali, numa casa localizada em meio a agitação do antigo mercado de especiarias por onde circulam cerca de 200 mil pessoas por dia, que Rafia Obaid Ghubash, diretora da Universidade do Golfo Árabe, decidiu abrir o Museu de Mulheres dos Emirados Árabes Unidos, inaugurado no dia 6 de dezembro. Em uma região em que mulheres sofrem com a opressão do regime islâmico, a abertura do museu representa uma ousada iniciativa de valorização da história da identidade feminina no mundo árabe, que seguiu às escuras por séculos.



Com coragem e doações recolhidas desde 2005, Rafia, de 52 anos, conseguiu reunir um acervo de mais de 500 itens e traz à luz fotografias, diferentes modelos de vestimentas como a abaya e o niqab, tradicionais vestes usadas por muçulmanas, joias típicas, fragrâncias e raros documentos que enfatizam a participação das mulheres nas artes, no mundo acadêmico e na política. Com discrição e um pouco de pressa porque já se aproximava a hora de fazer a quarta oração do dia, Rafia explicou ao GLOBO, por telefone, que as mulheres de Dubai convivem em uma cidade de contrastes e têm os olhos voltados para o Ocidente e para o consumo, impulsionado pelo governo do xeque Mohammed bin Rashid Al Maktoum. O choque cultural de práticas ocidentais com as diretrizes do mundo islâmico coloca a identidade feminina em permanente conflito, observa Rafia.

— Neste terreno de construção de identidades e fácil influência do modo de vida ocidental, o museu surge como uma referência para a busca do nosso lugar na História. As atitudes das mulheres árabes estão por trás de tudo que acontece por aqui, mas não são reconhecidas — conta Rafia.

A construção do museu é uma consequência natural do trabalho de Rafia pela educação das mulheres, temática constante em suas pesquisas acadêmicas e palestras. Inicialmente sua ideia era montar uma clínica de atendimento psicológico, mas em 2005, após recusar a doação de um prédio em Bastakya, na parte nova da cidade, ela decidiu vender lojas que tinha para financiar a compra da casa que hoje abriga o museu e tem um importante simbolismo para as moças da região. O local ficou conhecido no passado como “Bait Al-Banat” (casa de mulheres) por causa de duas irmãs solteiras que chamavam a atenção por morarem sozinhas no casarão nos anos 1950, época em que o Gold Souk ainda se chamava Sikkat Al-Khail e era o centro econômico mais importante de Dubai.

— Eu nasci e fui criada neste bairro, tenho uma conexão com este lugar. Agora está esquecido, mas a alma de Dubai está aqui e quero que as pessoas voltem a circular neste espaço — explica Rafia.

A crença no resgate das origens da influência feminina na sociedade e dos bairros tradicionais de Dubai — atropelados pela chegada dos estrangeiros e pelo deslumbre com o consumismo — é refletida em todos os cantos e artefatos do museu, que tem três andares. Logo na entrada, o visitante se depara com documentos que contam a história do casarão e um mosaico de fotos de mulheres pioneiras na formação política, social e cultural de cada um dos sete emirados. Como a pouco lembrada Salama Bint Butti, mãe do xeque Zayed, que governou Abu Dhabi entre os anos de 1971 e 2004. Ela é descrita em documentos britânicos do final da década de 1950 como “a mais influente mulher da costa do Golfo” por estar por trás das decisões do filho e prezar pela segurança e estabilidade econômica no período em que jazidas de petróleo foram descobertas na capital dos emirados. Fora da política, conquistas cotidianas também têm lugar no museu.

Ousha Bint Hussain Lootah (1932-1992) se destaca por ter sido uma das primeiras mulheres a abrir uma conta em um banco sozinha, sem a intermediação do marido. Há também um andar inteiramente dedicado à poeta Ousha Bint Khalifa, conhecida como Fatat Al Arab ou “mulher das arábias”, que começou a escrever aos 12 anos e ainda hoje, aos 94, afirma Rafia, é uma referência na literatura.

— Ela descreveu emoções femininas e problemas sociais em sua poesia em uma época em que as mulheres não tinham como se expressar. Ela simboliza uma revolução nas letras árabes — observa a diretora, que preencheu a sala de exposição com versos que reproduzem a caligrafia da poeta.

Apesar do reconhecimento e do apoio das autoridades de Dubai e dos outros emirados, Rafia entende que ainda há muito a ser feito. Embora as práticas religiosas imponham diretrizes ao comportamento das mulheres, ela prevê um futuro de maior compreensão. E acredita ter dado não o primeiro passo, porque muitas contribuíram ao longo da História, mas uma colaboração para a caminhada que provoca, aos poucos, uma importante mudança na representação da figura árabe feminina na História:

— Agora é tempo de se orgulhar, de resgatar nossas histórias e trabalhar para que as próximas gerações de mulheres daqui e do mundo conheçam seus antepassados e suas origens.


O lugar das mulheres no mundo árabe

fonte: http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2012/12/22/o-lugar-das-mulheres-no-mundo-arabe-479626.asp



Por Mariana Moreira

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