Com coragem e doações recolhidas desde 2005, Rafia, de 52 anos, conseguiu reunir um acervo de mais de 500 itens e traz à luz fotografias, diferentes modelos de vestimentas como a abaya e o niqab, tradicionais vestes usadas por muçulmanas, joias típicas, fragrâncias e raros documentos que enfatizam a participação das mulheres nas artes, no mundo acadêmico e na política. Com discrição e um pouco de pressa porque já se aproximava a hora de fazer a quarta oração do dia, Rafia explicou ao GLOBO, por telefone, que as mulheres de Dubai convivem em uma cidade de contrastes e têm os olhos voltados para o Ocidente e para o consumo, impulsionado pelo governo do xeque Mohammed bin Rashid Al Maktoum. O choque cultural de práticas ocidentais com as diretrizes do mundo islâmico coloca a identidade feminina em permanente conflito, observa Rafia.
— Neste terreno de construção de identidades e fácil influência do modo de vida ocidental, o museu surge como uma referência para a busca do nosso lugar na História. As atitudes das mulheres árabes estão por trás de tudo que acontece por aqui, mas não são reconhecidas — conta Rafia.
A construção do museu é uma consequência natural do trabalho de Rafia pela educação das mulheres, temática constante em suas pesquisas acadêmicas e palestras. Inicialmente sua ideia era montar uma clínica de atendimento psicológico, mas em 2005, após recusar a doação de um prédio em Bastakya, na parte nova da cidade, ela decidiu vender lojas que tinha para financiar a compra da casa que hoje abriga o museu e tem um importante simbolismo para as moças da região. O local ficou conhecido no passado como “Bait Al-Banat” (casa de mulheres) por causa de duas irmãs solteiras que chamavam a atenção por morarem sozinhas no casarão nos anos 1950, época em que o Gold Souk ainda se chamava Sikkat Al-Khail e era o centro econômico mais importante de Dubai.
— Eu nasci e fui criada neste bairro, tenho uma conexão com este lugar. Agora está esquecido, mas a alma de Dubai está aqui e quero que as pessoas voltem a circular neste espaço — explica Rafia.
A crença no resgate das origens da influência feminina na sociedade e dos bairros tradicionais de Dubai — atropelados pela chegada dos estrangeiros e pelo deslumbre com o consumismo — é refletida em todos os cantos e artefatos do museu, que tem três andares. Logo na entrada, o visitante se depara com documentos que contam a história do casarão e um mosaico de fotos de mulheres pioneiras na formação política, social e cultural de cada um dos sete emirados. Como a pouco lembrada Salama Bint Butti, mãe do xeque Zayed, que governou Abu Dhabi entre os anos de 1971 e 2004. Ela é descrita em documentos britânicos do final da década de 1950 como “a mais influente mulher da costa do Golfo” por estar por trás das decisões do filho e prezar pela segurança e estabilidade econômica no período em que jazidas de petróleo foram descobertas na capital dos emirados. Fora da política, conquistas cotidianas também têm lugar no museu.
Ousha Bint Hussain Lootah (1932-1992) se destaca por ter sido uma das primeiras mulheres a abrir uma conta em um banco sozinha, sem a intermediação do marido. Há também um andar inteiramente dedicado à poeta Ousha Bint Khalifa, conhecida como Fatat Al Arab ou “mulher das arábias”, que começou a escrever aos 12 anos e ainda hoje, aos 94, afirma Rafia, é uma referência na literatura.
— Ela descreveu emoções femininas e problemas sociais em sua poesia em uma época em que as mulheres não tinham como se expressar. Ela simboliza uma revolução nas letras árabes — observa a diretora, que preencheu a sala de exposição com versos que reproduzem a caligrafia da poeta.
Apesar do reconhecimento e do apoio das autoridades de Dubai e dos outros emirados, Rafia entende que ainda há muito a ser feito. Embora as práticas religiosas imponham diretrizes ao comportamento das mulheres, ela prevê um futuro de maior compreensão. E acredita ter dado não o primeiro passo, porque muitas contribuíram ao longo da História, mas uma colaboração para a caminhada que provoca, aos poucos, uma importante mudança na representação da figura árabe feminina na História:
— Agora é tempo de se orgulhar, de resgatar nossas histórias e trabalhar para que as próximas gerações de mulheres daqui e do mundo conheçam seus antepassados e suas origens.
O lugar das mulheres no mundo árabe
fonte: http://oglobo.globo.com/blogs/prosa/posts/2012/12/22/o-lugar-das-mulheres-no-mundo-arabe-479626.asp
Por Mariana Moreira
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