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segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Museu Afro-Brasileiro da Universidade Federal da Bahia (Mafro/Ufba).


Bahia: conjunto de peças sobre o candomblé é retirado do DPT





A diretora do Mafro, Graça Azevedo, exibe uma das estatuetas que integram a coleção

A Bahia pode festejar um marco pioneiro no tratamento da memória sobre as religiões e cultura afro-brasileira. Peças que integravam um museu instalado nas dependências do Departamento de Polícia Técnica (DPT) estão, agora, sob a guarda de um espaço considerado mais adequado: O Museu Afro-Brasileiro da Universidade Federal da Bahia (Mafro/Ufba).

As 199 peças da coleção Estácio de Lima foram catalogadas, passaram por limpeza e estão em processo de restauração e estudo sobre técnicas e produtos usados para a sua confecção.

Além disso, busca-se de todas as formas detalhar a sua origem, na medida do que for possível. "É um projeto que une estudo e pesquisa", explica Graça Teixeira, doutora em história e museologia e diretora do Mafro.




Terreiros criam rede para manter memória

As peças contam a história da época em que o candomblé era uma contravenção e, portanto, caso de polícia. Ele também era tratado como patológico, principalmente, por meio dos estudos de Nina Rodrigues (1862-1906).

O Mafro planeja ações como o lançamento de um catálogo e exposições, inclusive uma que conte a história da perseguição e disseminação de preconceito sobre a religiosidade afro-brasileira.

"Foi feita uma repatriação simbólica destas peças. Elas estão de volta a um patamar em que podem ser apreciadas como memória de um povo que resistiu a várias tipos de violência", diz o ex-diretor do Mafro, Marcelo Bernardo da Cunha.

Doutor em história e museologia, Cunha está estudando aspectos relacionados à coleção em seu projeto de pós-doutorado.

Constrangimento - As peças da coleção Estácio de Lima ficavam no DPT e integravam uma mostra com roteiro considerado constrangedor por especialistas em cultura afro-brasileira e espaços de memória, como os museus.

Grupos de estudantes de várias idades circulavam pela área que reunia as peças de candomblé, armas de vários tipos, equipamentos usados para falsificar dinheiro e partes do corpo de animais com deformidades físicas.

O espaço era identificado como um "museu" de Medicina Legal, Antropologia, Cultura e Etnologia.

Em 1997, um movimento articulado por representantes de terreiros conseguiu que as peças fossem retiradas do DPT e levadas para o Museu da Cidade, pertencente à Fundação Gregório de Matos (FGM), órgão da prefeitura.

A medida seguiu uma recomendação do Ministério Público Estadual (MPE). Em 2010, A TARDE apurou que as peças tinham retornado ao DPT. O retorno foi por força de uma liminar conseguida pela ex-diretora do DPT, Maria Theresa Pacheco.

Retirada - Quando a reportagem foi publicada, no dia 18 de julho, Maria Theresa já havia morrido. O MPE abriu procedimento para investigar as razões do retorno e o governador Jaques Wagner determinou que as peças fossem retiradas do DPT.

Por meio da Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), que tinha como titular a hoje ministra de Políticas para a Promoção da Igualdade, Luiza Bairros, iniciou-se o processo para tratamento adequado das peças.

"Ficamos satisfeitos com a ação da Sepromi. Agora, acho importante que a história da perseguição religiosa seja contada para que não volte a acontecer", diz a promotora de Justiça, Márcia Virgens.

O passo inicial foi ouvir sacerdotisas e sacerdotes das religiões de matriz africana. "Eu fui uma das pessoas convidadas a ir até lá para ver o que as peças representavam, inclusive a necessidade de cuidado do ponto de vista religioso", diz Air José, babalorixá do terreiro Ilê Odô Ogê, também conhecido como Pilão de Prata.

O objetivo desse passo foi tentar identificar a natureza das peças e o que representam do ponto de vista religioso, ou seja, se podiam ou não ser expostas.



As 199 peças da coleção Estácio de Lima já foram catalogadas (Foto: Raul Spinassé | Ag. A TARDE)

A segunda fase do processo foi repassar as peças para o Mafro, em regime de comodato durante dez anos. No Mafro, as peças passaram a ser analisadas. No processo de pesquisa, ainda em curso, estão sendo usados recursos do próprio museu.

"O Mafro articula estes procedimentos a partir das suas ações de formação", aponta Marcelo Cunha.

O mais difícil tem sido determinar com precisão a qual terreiro pertencia, por exemplo, uma estatueta de Exu. "Elas continuam sem registro preciso, mas continuamos investigando possibilidades", afirma Cunha.

fonte:
http://atarde.uol.com.br/bahia/salvador/materias/1530334-bahia-conjunto-de-pecas-sobre-o-candomble-e-retirado-do-dpt