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sexta-feira, 29 de maio de 2015

Com realidade aumentada e visitas remotas, museus têm novas formas de expor acervos

Iniciativas com aplicativos para dispositivos móveis e digitalização de acervos foram mencionadas no 3º Festival de História, em Braga, Portugal.


O Museu Nacional de História Natural Smithsonian permite que os visitantes de seu site andem virtualmente pelos seus corredores e vejam a sua coleção de casa – Reprodução.

A residência de verão do imperador D. Pedro I, em Petrópolis, os sítios arqueológicos na Grécia, a coleção de fósseis de dinossauros no Museu Nacional de História Natural Smithsonian, nos EUA. Separados por milhares de quilômetros, diversos centros de conhecimento são, hoje, parte de um fenômeno tecnológico. Acervos históricos em todo o mundo vêm abandonando sua imagem solene para apresentar seu conteúdo em novos formatos — muitas vezes, até remotamente — a um público conectado. Diante das novidades, que incluem visitas virtuais, maior presença em redes sociais e projetos para dispositivos móveis, como o europeu Chess (“Experiências de herança cultural por interações pessoais”, na sigla em inglês), especialistas reunidos no 3º Festival de História, que acontece na cidade de Braga, em Portugal, acreditam que a tecnologia pode ajudar a disseminar as reservas de informação sobre quem somos e de onde viemos.

A interatividade digital, porém, vem com algumas ressalvas — seus críticos alertam que despejar informações demais e sem qualquer ordem pode desvalorizar o conteúdo, tornando-o cada vez mais sujeito a confusões. Foi o que comentaram alguns dos participantes da mesa “Sons e imagens: narrativas históricas em tempo de mídias móveis”, realizada no festival.

Desenvolvido em conjunto por museus e pesquisadores, a partir de um investimento de mais de € 2,8 milhões da União Europeia, o Chess consiste num aplicativo para smartphones e tablets que oferece a curadores ferramentas para personalizar as experiências dos visitantes de seus museus. A partir de recursos interativos de realidade aumentada, o app permite que narrativas históricas sejam contadas aos usuários de acordo com suas características.

Para a professora de História do Brasil da UFMG Heloísa Starling, a tecnologia vem mudando o modo de se contar a História, retirando a necessidade de os fatos serem apresentados cronologicamente, o que se reflete nos museus.

— O historiador está sendo desafiado e sair de sua bolha e interagir mais com o público — conta Heloísa. — Ele precisa permitir que uma pessoa trace percursos aleatórios e inverta a cronologia. É como se as pessoas andassem em uma linha do tempo e fossem sempre tentadas a desviar o caminho.

Assim, quem estuda a Revolução Francesa não precisa passar imediatamente às guilhotinas ou a Napoleão, o período posterior. Agora, o público é incentivado a transitar como bem quiser pelo interior dos museus, pulando da França do século XVIII para, por exemplo, a Idade Média na Inglaterra.

Mas a tecnologia aplicada no interior desses espaços também serve para levar a sua experiência para fora deles: nos últimos anos, dezenas dessas instituições em todo mundo vêm digitalizando seus acervos e os disponibilizando on-line, para que os usuários visualizem do conforto do seu lar, a milhares de quilômetros de distância.

Em seu site, por exemplo, o Museu do Louvre, em Paris, tido como o maior do mundo, oferece ao seu visitante tours virtuais a exposições de antiguidades egípcias e dos restos históricos da fortaleza que antecedeu a criação do museu. Iniciativa semelhante é feita pelo Museu Nacional de História Natural Smithsonian, que permite ao usuário realizar um passeio virtual pelos seus corredores, acompanhando a evolução dos dinossauros por meio dos fósseis em seu acervo.

Brasil segue tendência

E o fenômeno já chegou por aqui. De acordo com o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), cerca de 106 instituições em seu cadastro nacional são classificadas como oferecendo visitas virtuais. Em 2010, o Museu Imperial, em Petrópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, deu início à digitalização dos mais de 300 mil itens do seu acervo, que incluem documentos, itens bibliográficos (livros e periódicos) e objetos que ajudam a contar o passado do Brasil e a trajetória da família real portuguesa no país.

— Acreditamos que esse trabalho leve cerca de 12 anos para ser concluído, e nossa pretensão é disponibilizar todo o acervo na internet, para o acesso de qualquer um. À medida que terminamos de digitalizar as coleções, vamos colocando-as em nosso site — afirma Maurício Ferreira Jr., diretor do Museu Imperial. — A informação precisa chegar a um público mais amplo, algo que hoje pode ser conseguido por meio da tecnologia.

Em 2011, a prática da digitalização do acervo de museus ganhou um reforço de peso quando o Google lançou o seu Culture Institute, uma organização não-lucrativa da gigante da internet cujo objetivo é pôr on-line “a herança cultural do mundo” por meio da digitalização de acervos e da criação de novas tecnologias com esse objetivo.

Em seu lançamento, a entidade disponibilizou 42 exibições on-line que contam os detalhes por trás de eventos importantes do último século, como o apartheid sul-africano, o desembarque das tropas americanas na Normandia durante a Segunda Guerra Mundial, o Holocausto e a coroação da Rainha Elizabeth II, entre outros. Cada exposição foi montada por meio da combinação de imagens, vídeos, áudio, digitalizações e áreas interativas, a partir da parceria com museus e outras organizações históricas.

Apesar das possibilidades, Heloísa Starling, da UFMG, alerta que o excesso de recursos pode mais atrapalhar que ajudar:

— A banalização do conteúdo pode ser um grande problema. Não podemos permitir que a transmissão de um tema comprometa o conhecimento.

Para o designer e artista gráfico Gringo Cardia, que dedica-se há dez anos a reformular museus, e atualmente trabalha na construção de um museu inteiramente virtual sobre a democracia brasileira, a popularidade do tour guiado por tablets e computadores jamais extinguirá a importância do espaço físico dessas instituições:

— A visita virtual não substitui a experiência de ir a um museu. Nele, a iluminação muda, o som é diferente, há imagens tridimensionais. São sensações que atraem o público.

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