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quarta-feira, 15 de junho de 2011

Morre o pintor Fernando Lopes


Alessandra Vieira – Editora de Cultura
Dono de um talento, criatividade, técnica e erudição apenas comparados a Pierre Chalita, o pintor miguelense Fernando Lopes faleceu na manhã de ontem, em casa, enquanto dormia. Uma despedida justa ao homem que marcou a pintura alagoana, conhecido por ser uma figura humana, gentil e introvertida.
Unanimidade entre amigos, público e crítica, Lopes conseguiu que sua obra corresse o Nordeste e o Brasil, renovando-se em temas e linguagens. “Sua personalidade marcante e rica em energia interior o fazia um ser humano desses que nos dá a certeza de que a humanidade vale à pena”, disse a amiga e museóloga Cármen Dantas.
“Através da sua pintura tentava, dentro das tradições nordestinas, registrar nossas raízes, fazendo referências à música, à poesia, à literatura. Estava numa fase nova, estilizando as nossas paisagens dentro de uma linha dramática. Sem dúvida é uma importante expressão nas artes plásticas do Nordeste, que assiste agora a uma grande perda”, lamenta a artista plástica Solange Chalita e uma das curadoras de uma exposição que homenageia os 50 anos do artista.
A mostra, que segue até o dia 12 de agosto, é na verdade um segundo grande tributo feito pelo Cesmac que, em março do ano passado, deu o nome de Fernando Lopes à galeria de artes. “A escolha de Fernando Lopes para nomear a galeria foi um gesto de agradecimento a esse artista, que tanto contribuiu para as artes plásticas em Alagoas”, disse Francisco Oiticica à época da abertura do espaço.
O corpo de Fernando Lopes foi levado a sua cidade natal, São Miguel dos Campos, e enterrado no Cemitério Nossa Senhora da Consolação, nesta segunda-feira. “Fernando foi um mestre, grande baluarte, que ficará na lembrança de todos que admiram arte. Toda Alagoas chora por essa lacuna deixada por ele nas artes plásticas. Será eterno para todos nós. Sua obra permanecerá imorredoura”, falou a pianista Selma Brito.
Vitalidade plástica (*)
Nascido em 1936, na cidade de São Miguel dos Campos, Alagoas, filho de família tradicional e descendente de imigrantes espanhóis – Bernardo Lopes Sobrinho e Helena de Lima Lopes -, Fernando estudou música no Conservatório de Recife e formou-se em Direito, mas nunca exerceu a função.
Conhecido mundialmente, Fernando Lopes despontou nas artes plásticas alagoanas por volta de 1959.
Firmou-se no cenário nacional como possuidor de uma consistente e fecunda inventiva. Sua obra, impregnada do místico espírito do seu povo, identifica os anjos e os santos, a realidade empírica de sua data e do seu ambiente. Foi um historiador preocupado com o rigor da perspectiva e do volume, representando o mundo através de elementos alegóricos de rara beleza e muita vitalidade plástica, inspirando-se sempre nos antigos casarões de sua terra natal, inovando e experimentando novas técnicas.
Conhecido e respeitado em todo o País, como também no exterior, residia atualmente em Maceió.
Foi um dos mais importantes colaboradores para a criação da Casa da Cultura no município de São Miguel dos Campos, local que detém com muita honra o museu em sua homenagem. Em seu círculo de amizade e admiradores constavam grandes personagens nacionais, tais como Jorge Amado, Aurélio Buarque de Holanda, Lêdo Ivo, Francisco Brennand e o pintor Di Cavalcanti.
Foi admirador e colecionador de artes plásticas e do Barroco brasileiro. Ouvia constantemente música clássica e erudita enquanto desenvolvia sua arte.
Fernando Lopes participou de exposições coletivas nas Embaixadas do Brasil em Paris, Roma, Israel e Estados Unidos, assim como em Bienais de São Paulo e nas mais importantes cidades do País. Chegou a expor em Londres, em 1970, por três vezes com outros artistas da América do Sul. Seus quadros estão expostos em museus e importantes coleções particulares brasileiras, como Museu Bloch, Manchete Vieta, Civitta, Abril Cultural, Giovanna, Bonino, Aloísio de Paula Machado, Museu de Olinda, Fundação Armando Álvares Penteado e Museu do Sol, em São Paulo, e Alfredo Knope, Nova York.
(*) extraído do site www.alagoasweb.com
DEPOIMENTOS
Veterano dos pincéis, Fernando é atual sem perder as raízes. Com um percurso de arte que se estende desde 1951, mantém o selo da
coerência e um vínculo catártico com a sua cidade, São Miguel dos Campos, que se estampa na temática evocativa da paisagem de memórias. Falando sobre seus temas, disse com aquele ar de eterno sonhador: “Quando pinto o casario antigo, ele é um jogo de armar casinhas e há ali a tentativa de aprisionar o tempo entre a criança e o adulto”. Esta incursão poética sobre o tempo reveste-se de uma consciência mística que perpassa toda a sua obra. As madonas, os anjos, as figuras bíblicas, o próprio casario, tudo está envolto numa ritualidade que propõe transcender o próprio tempo.
Fernando, nessa sua caminhada de tantas histórias, soma talento, criatividade, técnica e muita erudição. Além disso, sua personalidade marcante e rica em energia interior o faz um ser humano desses que nos dá a certeza de que a humanidade vale à pena.
Cármen Lúcia Dantas, museóloga
Foi uma grande perda não só para a arte alagoana, mas também para as artes plásticas brasileiras. Fernando era um artista extraordinário. Ele, assim como Pierre Chalita, marcou a pintura alagoana tanto como ser humano quanto como artista. Foi um mestre, grande baluarte, que ficará na lembrança de todos que admiram arte. Toda Alagoas chora por essa lacuna deixada por ele nas artes plástica. Será eterno para todos nós. Sua obra permanecerá imorredoura”.
Selma Brito, pianista
“Era um excelente artista, um dos maiores do Estado, com vastos conhecimentos culturais e visão abrangente. Era um homem muito culto, que sabia apreciar música e literatura, inclusive a francesa. Era grande leitor e entendedor da obra de Proust. Seus conhecimentos muito influenciaram sua obra, que era e continuará sendo bastante valorizada. Através da sua pintura tentava, dentro das tradições nordestinas, registrar nossas raízes, fazendo referências à música, à poesia, à literatura. Estava numa fase nova, estilizando as nossas paisagens dentro de uma linha dramática. Sem dúvida é uma importante expressão nas artes plásticas do Nordeste, que assiste agora a uma grande perda”.
Solange Chalita, artista plástica
“Para mim, Fernando Lopes foi o maior artista de Alagoas. Uma grande referência no Estado. Foi uma homenagem muito justa que o Cesmac prestou a ele, dando o seu nome à galeria. Espero que outras instituições tenham o mesmo apreço, responsabilidade e respeito por sua obra, que faz parte das maiores coleções nacionais. Ele pintou o Brasil de uma forma próxima, muito peculiar. É uma perda irreparável”.
Rogério Gomes, artista plástico
A morte de Fernando Lopes é extremamente triste. Foi também uma grande coincidência porque a exposição do Cesmac foi pensada como uma comemoração expressiva do jubileu da sua primeira exposição individual, no Recife, em 1961. O que seria uma grande homenagem passou a ser a última alegria dele. Foi um dos poucos artistas alagoanos de projeção nacional, cuja obra está catalogada no dicionário de vários artistas plásticos brasileiros. E o Cesmac já está viabilizando a publicação de um catálogo sobre sua obra”.
Romeu Loureiro, jornalista e curador da exposição

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