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quinta-feira, 12 de abril de 2012

Um museu que quer ser uma marca [vídeo] ( Portugal )

O que faz um museu do Estado quando tem orçamento zero do Estado para fazer aquilo que é um dos seu core business, ou seja exposições? Absolutamente nada. Ou então, a resposta dos nossos tempos, com ilustres exemplos internacionais: fundraising.



O Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA),com a mais importante colecção nacional, optou pela segunda via e procurou financiadores. E é por isso, por causa de uma visão muito pragmática de que os museus têm que, para sobreviver, ir buscar o público e o dinheiro (numa economia de mercado eles andam juntos) onde eles estiverem, que António Filipe Pimentel, o director do MNAA, tem ido nos últimos tempos mais vezes ao Centro Colombo, em Lisboa, do que aquilo que estaria à espera. E durante o dia, em horário laboral. Nesta última semana tem ido ao Colombo dar entrevistas e explicar a presença da arte antiga portuguesa entre pessoas com sacos de compras da Nespresso e do Continente.

No passado dia 29, abriu no Centro Colombo a exposição Construir Portugal. Arte da Idade Média (até dia 1 de Julho), com curadoria de Anísio Franco, conservador do museu. No dia seguinte, uma sexta-feira, mais de 800 pessoas entraram no imenso cubo de madeira, uma solução arquitectónica de Manuela Fernandes, para observar, com uma curiosidade não prevista, as 31 peças medievais que constroem uma narrativa inspiradora do processo de formação do reino português. De 5 de Julho, a 30 de Setembro, será a vez de Desenhando o Mundo. Arte da Época dos Descobrimentos, o que dá «uma presença espessa e continuada, de seis meses, que é importante», como diz António Filipe Pimentel . As exposições foram desenhadas e escolhidas pela sua temática «fortemente identitária e de forte comunicabilidade para todos os públicos».

Tesouro nada deprimente
A presença do MNAA na catedral do consumo, potencialmente polémica, foi ponderada. «Tivemos a noção do risco e da ousadia da proposta», diz António Filipe Pimentel, ressalvando que, «sendo inédita em Portugal, tem antecedentes ilustres. Por exemplo, o holandês Rijksmuseum faz exposições de três em três meses no areoporto de Amesterdão». E não lhes caíram os Vermeers na lama.

No caso do MNAA, há ganhos estimados: «Estou convencido de que isto vai gerar vontade de conhecer aquele que é um equipamento com obras fabulosas, porque para aqui não pode vir tudo. Há peças que só em circunstâncias muito excepcionais podem sair do museu». Um vídeo no exterior da exposição, com uma visita guiada ao museu das Janelas Verdes, com os seus ex-libris como, por exemplo, Os Painéis de São Vicente ou As Tentações de Santo Antão de Bosch, serve de aperitivo.

Dado curioso: o número de visitantes estrangeiros é igual ao dos nacionais (um total de 129 mil visitantes em 2011). António Filipe Pimentel sublinha que «a presidente do parlamento alemão quando esteve cá pediu para ir ao MNAA», mas os portugueses não se dão conta «da sua enorme riqueza, que é um património de todos», recorda. «O que o museu tem é um problema de marca, porque o valor, e o trabalho que tem sido feito, são inquestionáveis. É preciso comunicar a importância desse valor de forma eficaz».

Não é a primeira vez que a Sonae Sierra (a proprietária dos centros comerciais do grupo de Belmiro de Azevedo) convida um museu para se apresentar no grande centro comercial da segunda circular. No ano passado, através do Museu Berardo, quatro artistas plásticos contemporâneos exibiram obras na Praça Central. Mas para o MNAA, a inclusão naquele espaço tinha de partir de outras premissas. Em vez de se misturar, procurou-se um nicho de recolhimento. «O MNAA não podia funcionar naquelas condições. Estamos aqui dentro, mas temos um espaço autónomo que, no entanto, não é um bunker. É até muito convidativo». 

Quando a Cooperativa Árvore, a quem a Sonae Sierra entregou o projecto A Arte Chegou ao Colombo, convidou o MNAA a preparar duas exposições, a equipa aceitou com dois pressupostos : «Que houvesse uma presença com inquestionável dignidade, não deixando o MNAA de ser ele próprio, e que as questões de segurança das peças escolhidas estivessem absolutamente preservadas». O resultado da operação de charme está à vista: até às 14h de segunda-feira, 6.102 pessoas tinham visitado a exposição, segundo a página do museu no Facebook. E, como diz Paula Brito Medori, directora de comunicação do MNAA, a circulação de público dá-se nos dois sentidos: «Há visitantes do museu que já disseram que querem ir ao Colombo ver a exposição». 

Gestão moderna é preciso
Esta operação de marketing não é, no entanto, uma iniciativa desgarrada. Faz parte de uma estratégia consistente de «programação aguerrida com uma comunicação aguerrida», defende o director do MNAA

Quando tomou posse em Março de 2010, numa cerimónia pública, o actual director do MNNA, doutorado em História de Arte e que abdicou da direcção do Museu Grão Vasco, em Viseu, para assumir a direcção do mais importante museu nacional, ouviu de Gabriela Canavilhas, a então ministra da Cultura, o discurso de que os museus tinham que procurar na sociedade civil a resposta à ausência de financiamento do Estado e teriam que ter uma gestão moderna. E caberia ao MNAA, como navio-almirante, mostrar o rumo. É isso que está a fazer, num momento em que «toda a programação do museu é assegurada por parcerias com outras instituições e por financiadores». 

E para assegurar uma constante visibilidade nos media e fluxo de público criou-se um novo desenho programático, que permite que haja sempre três exposições em curso, ao longo de todo o ano, sem quebras. «É preciso que as pessoas percebam que um museu não é um sarcófago de obras de arte. É um espaço dinâmico onde há sempre coisas novas».

telma.miguel@sol.pt

fonte:
http://sol.sapo.pt/inicio/Cultura/Interior.aspx?content_id=46541

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