Faz duas décadas que a eleição do bibliófilo José Mindlin (1914-2010) para a presidência do museu foi anulada na Justiça, levando o arquiteto Júlio Neves ao cargo e desencadeando uma debandada de intelectuais do maior museu da América Latina.
Na época, os curadores Fábio Magalhães e Maria Alice Milliet deixaram o museu em apoio a Mindlin. Desde 1994, Neves e seus aliados vêm se revezando na direção do Masp, sendo um deles a atual presidente, que neste mês completa um ano no cargo.
Há ainda outra data redonda. O centenário da arquiteta Lina Bo Bardi, em dezembro, faz relembrar o fato de sua museografia -tão experimental quanto o prédio, com cavaletes de vidro em sucessão vertiginosa na grande galeria do museu-, ter sido aposentada naquela época.
Numa entrevista concedida à Folha por e-mail -uma exigência dela-, Pimenta Camargo disse que o Masp “vai comemorar condignamente o centenário de Bardi”, acrescentando que “o casal Bardi é uma referência para nós”.
“Os painéis de vidro se acham preservados e são utilizados esporadicamente”, diz a presidente. “Os museus, hoje, não falam mais em exposição permanente e sim de longa duração, porque há necessidade de renovação.”
VÃO LIVRE
Mas, mesmo em meio a ideias de renovação, o museu continuou enfrentando problemas. Em 2006, o Masp teve a energia elétrica e linhas de telefone cortadas, somando então dívidas de R$ 3,5 milhões -a presidente não quis detalhar a situação atual. No ano seguinte, ladrões invadiram o museu e levaram quadros de Picasso e Portinari.
Uma tentativa de saldar as dívidas por meio de uma parceria com a Vivo, que comprou e doou o prédio vizinho ao museu em troca da permissão para batizar seu anexo, também não se concretizou, com as obras paralisadas e sem previsão de retomada, segundo Pimenta Camargo.
No fim do ano passado, o museu voltou ao centro das atenções com o debate sobre cercar o vão livre para evitar que fosse usado por traficantes e usuários de crack.
Pimenta Camargo discorda do curador-chefe do museu, Teixeira Coelho, para quem cercar o vão livre “amenizaria” esses problemas.
“Nunca pensei em cercar o vão livre, que faz parte do espaço sociocultural do museu e da cidade”, afirma ela. “Problemas circunstanciais são recorrentes e devem ser enfrentados com serenidade.”
Enquanto corria a discussão sobre o espaço externo do museu, o Masp não conseguia confirmar qualquer exposição de peso em sua programação do lado de dentro. Até agora, o museu não anunciou oficialmente o calendário de mostras deste ano.
Pimenta Camargo diz que “no ano da Copa do Mundo, é compreensível que os patrocínios tenham migrado da cultura para o esporte” e que a comparação com museus como a Pinacoteca do Estado ou o Museu da Imagem e do Som não são válidas, já que essas instituições “têm um aporte financeiro estatal”.
Ela lembra que o Masp é uma entidade privada, que depende em grande parte “de leis de incentivo e mecenas”.
Mesmo assim, Pimenta Camargo conseguiu apoio para o restauro da tela “Moema”, pintada por Victor Meirelles (1832-1903) em 1866 e um dos ícones da coleção do museu, além de garantir a catalogação de obras de peso, como a coleção de arte oriental do diplomata Fausto Godoy.
De certa forma, é um avanço notável, já que o orçamento anual do Masp gira em torno de R$ 11 milhões -cerca de um terço do que gasta a Pinacoteca, por exemplo.
É um valor 32 vezes menor que o orçamento anual de 2013 (aproximadamente R$ 350 milhões) da Tate, em Londres, da qual o Masp, segundo sua presidente, é um “similar latino-americano”.
RAIO-X
MASP
FUNDAÇÃO
Em 1947, o empresário Assis Chateaubriand e o crítico Pietro Maria Bardi criam o museu no prédio dos Diários Associados, no centro de São Paulo. O museu tem cerca de 8.000 peças, com obras de Rafael, Botticelli, Monet e Picasso. Projetada por Lina Bo Bardi, a sede na av. Paulista foi inaugurada em 1968. A estrutura tem como principal atrativo o vão livre
SUCESSO
Entre as mostras de maior público estão as de Claude Monet (1997), com 400 mil pessoas, Salvador Dalí (1998), com 200 mil, e Pablo Picasso (1999), com 202 mil. Das mais recentes, a de Caravaggio fez de 2012 o ano de maior visitação da história do museu: 851 mil pessoas passaram por lá
CRISE
A anulação da eleição do bibliófilo José Mindlin à presidência do museu, em 1994, foi o estopim de uma crise que se arrasta até hoje. A Justiça viu irregularidades no pleito, como o fato de a convocação não ter explicitado que era um encontro para definir a nova diretoria. O caso conduziu o arquiteto Júlio Neves ao comando do museu, onde permaneceu até 2008. Desde então, seus aliados se revezam no poder
CAVALETES
O projeto de Lina Bo Bardi previa que os quadros parecessem flutuar em sucessão vertiginosa, já que estariam pendurados em cavaletes de vidro. A famosa museografia da arquiteta foi aposentada também em 1994
GRADES
Denúncias de que havia usuários de crack, traficantes e moradores de rua no local levaram o curador do Masp, Teixeira Coelho, a dizer que instalar grades ao redor do espaço “amenizaria” a ocorrência de crimes ali, detonando um debate sobre a função do vão livre.
Fonte: Folha
Ilustrada
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