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segunda-feira, 21 de abril de 2014

O museu de arqueologia tem uma exposição debaixo de água

Há 30 anos que se começou a investigar o que há no fundo do mar em Portugal. A exposição O Tempo Resgatado ao Mar faz o resumo destas décadas e quer lembrar que o património guardado pelo mar é um ponto fundamental do debate sobre este recurso natural.


O Tempo Resgatado ao Mar é assim espaço para a relação do mar com o homem e com os objectos por ele produzidos
JOSÉ PAULO RUAS/DIRECÇÃO-GERAL DO PATRIMÓNIO CULTURAL



Quando se passa a primeira arcada azul escuro é como entrar em apneia, como quando se está debaixo de água e as imagens são mais lentas e os sons menos nítidos e mais profundos. Não é só por causa das paredes de tom escuro (que durante o percurso vão ficando mais claras), mas especialmente por causa do vídeo do artista Nelton Pellenz, Azul Profundo, que nos dá a impressão de uma entrada no mar. É isso que quer O Tempo Resgatado ao Mar, exposição patente até ao final do ano no Museu Nacional de Arqueologia, em Lisboa: mergulhar-nos num mar que conserva património e que é uma porta de entrada noutras Eras.

A exposição reúne 30 anos de arqueologia subaquática em Portugal – uma actividade que começou a ser estruturada e leccionada nas universidades nos anos 1980. Mostra peças, algumas delas expostas pela primeira vez, recolhidas em ambientes marítimos, fluviais ou mesmo húmidos, como grutas, em todo o território nacional. As peças estão dispostas por ordem cronológica e agrupadas segundo o lugar em que foram encontradas, cobrindo o período histórico desde a época pré-romana ao século XX.

À entrada, enquanto ouvimos os barulhos subaquáticos do vídeo de Pallenz, olhamos de frente para uma canoa, um achado furtuito no rio Lima. Tem uma simplicidade rudimentar, sem ornamentos, só a madeira, as linhas essenciais de uma piroga e a falta de um pedaço ou outro. No entanto, no contexto da exposição ganha um valor de obra de arte: posta ao nível do chão, dentro de uma vitrine profunda, com fundo escuro e que do seu topo até à peça tem escrito o nome da exposição. “É como se estivesse posta no fundo do mar”, diz Maria Amélia Fernandes, coordenadora da exposição.

Apesar da sua simplicidade, é o mote para esta mostra. “É a figura convite em que as pessoas podem entrar para fazer esta viagem”, diz António Carvalho, director do Museu Nacional de Arqueologia. Esta canoa, um objecto que expressa uma ligação intemporal e universal com o mar, diz Maria Amélia, já que é reconhecido por qualquer pessoa de qualquer lugar, tem além disso grande relevância arqueológica – é uma peça do século VII, rara em Portugal e em qualquer parte do mundo e que confirma aquela zona do rio Lima como lugar ancestral de travessia.

Depois de ser encontrada, em 1996, ficou até 2013 imergida numa solução aquosa por falta de meios adequados à sua secagem em Portugal. É necessário um tratamento cuidado destas peças depois de retiradas da água porque a mudança do ambiente aquoso para o ambiente seco é brusca e danifica a madeira. “Foi descoberta uma outra piroga no Lima e deixada a secar [por quem a encontrou] ao sol. Ficou toda torcida”, conta Maria Amélia. Em 2013, o Museu Nacional de Arqueologia conseguiu fazer uma parceria com o espanhol Museo Nacional de Arqueología Subacuática, em Cartagena, que com recursos caros e muito específicos para este tipo de recuperações, secaram a canoa por liofilização, um processo de desidratação que durou três semanas. “Inicialmente pensaram que o processo ia levar mais tempo. Também para eles foi uma experiência nova, nunca tinham tratado uma peça destas”, diz Maria Amélia.

Cápsulas do tempo
Estes pormenores técnicos e científicos convivem em O Tempo Resgatado ao Mar com a informação mais essencial sobre a arqueologia subaquática para mostrar, através dos artefactos encontrados, mas também de vídeos, gravuras e pinturas, como trabalha esta disciplina. “Desmistifica-se a ideia da recolha de objectos de proveniência submersa de forma arbitrária ou de caça ao tesouro”, escreve no catálogo da exposição Adolfo Silveira Martins, comissário científico da exposição, lembrando que é mais comum o público conseguir reconhecer uma escavação arqueológica em terra que uma subaquática.

Esta é uma das razões porque, segundo António Carvalho, O Tempo Resgatado ao Mar não tem um só público alvo. O director do Museu diz sentir igual entusiasmo quando guia uma visita a esta exposição a um historiador, a um grupo de portugueses ou a uma delegação de estrangeiros, como os romenos que, diz, se sentiram maravilhados com este mundo do mar, que associam imediatamente a Portugal, e a que não têm tão grande acesso no seu país de origem.

Além do aspecto científico, muito presente, esta é “uma exposição bonita”, diz, sublinhando o grande cuidado em criar um ambiente cénico, em que a luz e os cenários são importantes na valorização das peças. Por causa desta apresentação cuidada somos tentados a equiparar o valor de moedas de prata ou jóias de ouro da naufragada Nau Nossa Senhora dos Mártires, do século XVII, às nozes e castanhas resgatadas do século XV, ou às solas de sapatos do século XVII.

fonte:
http://www.publico.pt/cultura/noticia/o-museu-de-arqueologia-tem-uma-exposicao-debaixo-de-agua-1632934#/1

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