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sábado, 2 de agosto de 2014

Isto é arte?, continua a perguntar Jeff Koons

O Whitney Museum despede-se do edifício da Madison Avenue com a maior exposição que dedicou a um único artista. Um museu inteiro para ver a obra polémica de Jeff Koons na sua primeira retrospectiva em Nova Iorque.

Jeff Koons na exposição do Whitney em frente a um dos seus cães balões
Reuters.
 


Há um balão abandonado num fim de tarde em Central Park. Tem a forma dos cães balões de Jeff Koons, como o que está exposto no Whitney Museum, no número 945 da Madison Avenue, não muito longe dali. Mas não é tão perfeito. Este é branco e esvazia-se. O outro é dourado e materializa a ilusão infantil do balão moldado por um palhaço habilidoso. Um cabe na mão, o outro é uma escultura com mais de três metros, em aço inoxidável, cromado, que reflecte como um espelho, e foi feita para criar a ilusão da perfeição. Uma dessas réplicas, o Balloon Dog (Orange), foi vendida pela Christie’s em Novembro do ano passado por 58,4 milhões de dólares (cerca de 43,5 milhões de euros), um recorde absoluto para uma obra de arte, tornando Jeff Koons no artista mais caro da actualidade.

Aos 59 anos, e com 35 de carreira, ele foi o artista escolhido pelo Whitney para se despedir do edifício concebido pelo arquitecto da Bauhaus, Marcel Breuer, em 1966, naquela que é também a exposição mais dispendiosa da história do museu que vai em 2015 mudar-se para a baixa de Manhattan. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

 
 
 


 
 
 
 
 
Há suficiente polémica e dinheiro e informação sobre Jeff Koons, o norte-americano nascido na Pensilvânia em 1955, para que não se estranhe a fila na entrada do museu quando falta pouco para as sete da tarde de uma sexta-feira de Julho. Com uma obra colada à sua biografia, nunca teve direito a uma retrospectiva na cidade onde vive e trabalha. Cartazes a anunciar a exposição estão espalhados por toda a cidade. A imagem de Michael Jackson em porcelana com o seu macaco de estimação, Bubbles (uma criação de Koons de 1988), segue colada em muitos autocarros que atravessam Manhattan. Nas estações de metro, vêem-se anúncios com Play-Do (1994-2014), talvez a peça mais emblemática da exposição e a grande novidade, uma escultura de 3,3 metros de altura que mimetiza uma montagem colorida feita de plasticina. Contam os organizadores que foi preciso retirar a porta de entrada do museu para fazer passar a estrutura montada como um puzzle que é o que não parece. Ferro em vez de massa de brincar que reflecte a obsessão de Koons com o detalhe, para que o engano sugerido seja sentido como verdadeiro. Levou-lhe 20 anos a concluir e está no centro da maior sala do quinto e último piso da exposição.
Jeff Koons, "Tulips", 1995–98 DR

Porquê a escolha de Koons para a despedida do Breuer Building, como também é conhecido o edifício onde está a colecção de arte contemporânea do Whitney? “Porque a obra de Koons é a mais emblemática do nosso tempo”, declarou Adam D. Weiberg, o director do museu, durante a apresentação aos jornalistas da exposição que se inaugurou a 27 de Junho e se mantém até 19 de Outubro. Nessa altura, será tempo de fechar a porta, entregar as chaves aos novos proprietários do edifício, o Metropolitan Arte Museum, e fazer as malas até ao prédio que Renzo Piano projectou no Meatpacking District, entre o High Line e o rio Hudson. Será ali o novo Whitney a partir da Primavera de 2015.

Pretende-se uma exposição histórica. O objectivo é que a retrospectiva de Jeff Koons no Whitney seja um espectáculo. O modo como foi concebida por Scott Rothkopf, um dos programadores do museu, reflecte essa preocupação. São 130 obras, a maioria emprestada por coleccionadores privados como Damien Hirst, o outro artista milionário que se diz discípulo de Koons. Estão distribuídas por cinco pisos, incluindo o lobby e o pátio do edifício, organizadas de forma cronológica desde 1978 até 2014, e que no seu conjunto pretendem ser um contributo para se escrever a história da arte nos últimos anos.

O jogo

À entrada distribuem-se auscultadores. Neles, a voz de Koons descreve, pausada, o Popeye gigante que segura um ramo de sardinheiras e está no pátio do museu. Diz que a figura lhe lembrava o pai e a sua geração e que os espinafres eram uma forma de transcender as próprias capacidades. Serve-lhe para dizer que é assim que pensa a arte, como um meio de transcender o real. Substituiu-os pelas flores para reforçar essa ideia. A peça foi concebida entre 2009 e 2012 e representa essa sinceridade ou transparência que quer na sua arte. “Sou o que sou”, ouve-se do artista que se quer transcender também através da provocação pelo banal e que não desiste de procurar, aí, a perfeição, obcecado pela técnica e pela manipulação de materiais como o aço ou a madeira.


Jeff Koons pretende transformar o luxo em lixo para depois ser, ele mesmo, um luxo maior. Em tudo há uma provocação e esse é o jogo onde parece haver sempre uma pergunta implícita: “isto é arte?”

Procura-se nas obras de Koons a identidade do autor e a primeira imagem da exposição é a da monumentalidade. Interpretações de estátuas gigantes, sejam réplicas da antiguidade clássica ou personagens de banda desenhada ou do imaginário infantil, estão colocadas nos pontos de passagem do museu numa síntese evolutiva do seu trabalho. A noção de escala, o erotismo, a exploração de conceitos como o consumo ou o excesso, a inocência ou o supérfluo, o imaginário infantil, o que é ser célebre, a ideia de gosto surgem como tópicos principais. Logo desde o primeiro piso, onde estão as primeiras peças com forte influência do ready-made de Marcel Duchamp, feitas de materiais baratos e já com uma preocupação em pegar em objectos do quotidiano, sublinhando ou retirando-lhes a sua vulgaridade quando colocados fora do contexto para o qual foram concebidos. A narrativa artística desenvolve-se à medida que se sobe até ao quinto e último piso. Mantém-se a representação do banal em peças que, isoladas, pretendem funcionar como um acontecimento e onde se destaca a estreia absoluta de Play-Do, inspirada numa brincadeira do filho mais velho de Jeff Koons com Ilona Staller, a húngara naturalizada italiana que ficou conhecida pelo seu nome de actriz-porno: Cicciolina.
Nas estações de metro, vêem-se anúncios com "Play-Do" (1994-2014), talvez a peça mais emblemática da exposição e a grande novidade DR

A par de Kons, ela é – e é inevitável -- uma das protagonistas da retrospectiva. Jeff e Ilona conheceram-se em 1989, quando ele a contratou como modelo para uma encomenda do Whitney para uma série de que resultou Made in Heaven (1981-91), um conjunto de fotografia e escultura em que ambos surgiam em cenas de sexo explícito. Parte desses trabalhos foram destruídos depois do casal se ter desentendido numa guerra pela guarda do filho. Ilona ganhou então a Jeff, mas toda a polémica ressurge perante a tela gigante onde um e outro aparecem abraçados, revelando os respectivos genitais. É o momento em que se faz silêncio na exposição, como se cada um dos que estivessem perante o quadro quisesse mostrar uma descontracção que afinal também ela acaba por ser encenada. É o público a cair no isco dos organizadores do espectáculo Koons. O mesmo público que se espantou com a carica gigante que parece insuflável, ou com a paródia à limpeza na série de aspiradores que ocupam o primeiro piso, ou ainda no espanto infantil diante do detalhe de uma foca-bóia de mergulho. “Como, não é de plástico?”, pergunta uma mulher de bengala que o segurança manda recuar. A tentação está no tacto.
Jeff Koons, "Made in Heaven", 1989 DR

É um desconcerto comum, em que todos ou são crianças que coram ou adultos indignados com a falácia da matéria – nada é o que parece – e espantados com a sofisticação da técnica de um artista que se diz fortemente influenciado pelo Picasso dos anos 80, mas que o mundo da arte compara a Andy Warhol pelo modo como se torna performer da sua própria criatividade, sobretudo na década de 80, alguém que se apresenta como crítico do dinheiro mas faz parte da máquina. No limite, pretende transformar o luxo em lixo para depois ser, ele mesmo, um luxo maior. Em tudo há uma provocação e esse é o jogo onde parece haver sempre uma pergunta implícita: “isto é arte?”.

A pergunta persiste. A cópia em aço inoxidável de um objecto em prata passa a ser mais valiosa do que o objecto de luxo que copia. Exemplo? O comboio que parodia uma peça de decoração de um bar que no original seria em prata, o JB Turner Train, e que aqui é em aço. Foi vendido por 33 milhões de dólares (quase 25 milhões de euros). Faz parte da série Luxury & Degradation (1986), uma das 14 em que se divide a retrospectiva que mostra o pintor, o publicitário, o escultor que desafia a fronteira entre arte e consumo de massa, entre o duradouro e o perecível e que tem talvez o melhor exemplo desta última tentação no jardim plantou na Rockefeller Plaza.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 


Estamos a uns quarteirões do Whitney diante de uma das atracções da cidade de Nova Iorque neste Verão. São mais de 11 metros de altura por 12 de largura, em aço inoxidável, terra, tela e um sistema de irrigação interno que permite manter vivas 50 mil flores até ao fim de Setembro. Chama-se Split-Rocker, é uma espécie de cavalo de pau, só que com cabeça de dinossauro. É outra vez a manipulação de escala, o desafio a convenções, a ambiguidade de sentido, um brinquedo com ar de monstro, o espectáculo em forma de escultura que dura a vida de uma planta. Em Nova Iorque tem flores até 12 de Setembro.

Quanto à retrospectiva, segue para Paris, para o Centro Pompidou, onde se irá inaugurar a 15 de Novembro.
fonte: @edisonmariotti #edisonmariotti http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/isto-e-arte-continua-a-perguntar-jeff-koons-1665193#/0
Isabel Lucas (em Nova Iorque)

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