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domingo, 10 de agosto de 2014

Parado no tempo, museu dedicado à história do cacau tem prédio imponente, mas não funciona

No início das atividades, o museu abrigava exposições temporárias, aulas em parcerias com escolas, mostras com outros países e até eventos

Na esquina da Rua da Espanha com a Avenida Estados Unidos, no Comércio, um prédio imponente ainda desperta a curiosidade de quem passa. Além do tamanho, as manchas de fumaça preta provocadas por um incêndio que atingiu a sede do Instituto do Cacau, há dois anos, também chamam a atenção. Apesar disso, pouca gente atenta para o fato de ali ser a sede de um dos 74 museus registrados na capital: o Museu do Cacau, desenhado pelo arquiteto alemão Alexander Buddeus, na década de 1930. Menos lembrado ainda é o fato de que o espaço deveria ter sido revitalizado para a Copa do Mundo, que já passou.




Auditório do prédio, um dos poucos exemplares de Art Déco de Salvador, tem cadeiras de madeira impecáveis, mas ninguém senta ali há tempos (Fotos: Evandro Veiga)


O andar térreo do prédio, ao qual se tem acesso por meio de uma porta giratória de madeira, foi interditado, parcialmente, há dois anos, e ainda abriga o museu sobre o fruto que alavancou a economia baiana no século passado. Mas a exuberância do lugar, com referências da cultura marajoara (da Ilha de Marajó), em pilares de cerâmica, se perde diante do abandono. Andar pelo museu é como visitar algo abandonado há décadas, perdido no tempo-espaço.


O cenário é igual ao registrado em 1981, no livro Instituto do Cacau da Bahia – Meio Século de História, de Angelina Nobre Rolim Garcez. Não é que o acervo esteja deteriorado. Na verdade, ele está praticamente intacto. Mas não há atividade: nem aulas, nem guias, nem visitantes, nem exposições além das peças do próprio acervo. Dá para entrar e sair do museu sem ser visto.


“Hoje, é um museu que nós sabemos que existe, mas ele não funciona. A exposição que tem lá já está ultrapassada há décadas”, lamenta o presidente do Conselho Regional de Museologia da 1ª Região (Corem), Antonio Marcos de Oliveira Passos. Para ele, o museu seria um instrumento para promover educação, pesquisa e comunicação. “Ali se poderia estar desenvolvendo pesquisa, comunicação e educação. É a preservação da memória e história dos povos e de nós baianos, que usufruímos um pouco dessa história do cacau, para o bem e para o mal”, completa.

Sem infraestrutura
No Cadastro Nacional de Museus, do Instituto Brasileiro de Museus, ligado ao governo federal, o Museu do Cacau consta como um dos 74 museus de Salvador. Segundo o cadastro, o espaço não tem infraestrutura para receber turistas estrangeiros, nem para promover visitas guiadas. Lá também diz que não há uma biblioteca nem um arquivo histórico.


O auditório do prédio, um dos poucos exemplares de art déco em Salvador, tem cadeiras de madeira impecáveis, mas totalmente desocupadas, e precisa de uma nova pintura e de cuidado com publicações expostas – uma delas foi devorada por cupins.


As folhas de cacau artificiais, espalhadas pelo salão principal, precisam claramente de restauração: tudo está coberto por uma camada branca. É poeira. As peças de tecido, já bem amareladas, precisam ser trocadas. Até a etiquetagem – onde existe – carece de renovação, já que o material está bastante desgastado. Os livros da biblioteca ficam trancados, sem que ninguém tenha acesso.


História
A decadência do museu começou após a extinção do Instituto do Cacau, em 1992. Depois de 60 anos de atividades de fomento à produção cacaueira, o Instituto deixou de existir e o prédio-sede, desenhado em 1932, passou a abrigar órgãos do governo estadual e até um restaurante popular. Do cacau, só restou o museu, que se sustenta aguardando por uma revitalização que não vem.


O incêndio de dois anos atrás não atingiu o museu, mas deixou problemas. “Ficou faltando muita coisa. A parte elétrica, de refrigeração. Sem isso, não se podia fazer as atividades nem exposições temporárias. Então, houve essa queda brusca no número de visitas”, explica a coordenadora do museu, Ana Nogueira, que está lá desde a inauguração, em 1983.


Tempos áureos
No início das atividades, o museu abrigava exposições temporárias, aulas em parcerias com escolas, mostras com outros países e até eventos, no auditório. “Da parte central do prédio, que era onde tinha auditório, o hall de exposição, a gente fez um núcleo Salvador do museu. Conseguimos fazer coisas muito boas, com países como Portugal e Áustria. Nos dava muita alegria e muito orgulho de estar lá”, conta, saudosa, Ana Nogueira.

Agora, ela fala com pesar sobre os motivos que a fazem manter as portas abertas, ainda que sem exposições. “O museu está aberto, mas não tem tido nenhuma coisa muito especial, como a gente tinha no passado, com as atividades que a gente produzia, com museu- escola. Mas também não está fechado. Eu acho que se fechar é que o negócio pega”, disse.


Segundo ela, existe um problema orçamentário. Durante os anos de 2012 e 2013, a equipe do museu, que hoje está sob administração da Secretaria estadual da Agricultura (Seagri), fez três projetos de revitalização: dois para o museu com sede em Ilhéus e um para o de Salvador. A burocracia, segundo Nogueira, trava os processos. “Teve uma série de problemas financeiros e isso mexe com tudo”, desabafa.

“Esse museu poderia nos ajudar muitíssimo com formas de fazer educação, de se pensar a economia baiana. Mas, infelizmente, vários processos estão parados”, lamenta o museólogo Antonio Marcos Oliveira Passos.





Atingido por incêndio há dois anos, último andar segue sem solução


Sem resposta
Em janeiro de 2012, a Seagri anunciou que o Museu do Cacau seria revitalizado e “transformado num espaço para realização de eventos de charme e exposição de produtos da agricultura baiana premiados nacional e internacionalmente”.

Na ocasião, o então secretário da Agricultura, Eduardo Salles, prometeu concluir até o final de 2012 o projeto de reformulação do museu. Já a reforma estaria pronta em 2014, transformando o lugar em mais um dos equipamentos para o Mundial de futebol. Dois anos e seis meses depois, a Copa começou e terminou, a secretaria mudou de titular e o espaço continua como dantes... Aliás, o próprio prédio do Instituto do Cacau continua aguardando pela restauração pós-incêndio.


Hoje, vencido o prazo, a Seagri não gosta de tratar do assunto. Durante um mês, o CORREIO tentou conversar com o responsável pela reforma na pasta, mas uma entrevista com o superintendente de Desenvolvimento Agropecuário, Antônio Almeida Junior, foi marcada e, depois, cancelada. Mais tarde, a assessoria de comunicação da Seagri disse à reportagem que o secretário Jairo Carneiro não gostaria e não falaria sobre o assunto.


Plano
Segundo a coordenadora Ana Nogueira, fazer os reparos mínimos necessários ao funcionamento digno do local não custaria muito. “Nós fizemos duas ou três previsões, uma delas com R$ 100 a 200 mil. Alguém aventou a possibilidade de R$ 1 a 1,5 milhão. A gente sabe que poderia gastar até mais, mas com muito menos se poderia colocar para funcionar, atendendo bem”, garante.


Gastos maiores envolveriam a criação de novos espaços e a reativação da biblioteca, que está lá, mas não funciona como tal. Essa parte, segundo Ana Nogueira, seria de responsabilidade do setor de engenharia da Seagri. “Se eu dissesse que não tem perspectiva nenhuma, eu estaria sendo muito negativa e matando o sonho. Mas, se a qualquer momento me chamassem para colocar em prática o que a gente planejou, eu iria”, avisa Ana Nogueira.


O prédio é tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) desde 2002, o que, inclusive, garante prioridade nas linhas de financiamento municipal, estadual e federal em editais de museus e restauração.

Uesc transferiu prédio e acervo ao estado para revitalização
Até janeiro de 2012, havia uma disputa entre a Seagri e a Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), em Ilhéus, no Sul do estado, pela administração do Museu do Cacau. O prédio de Salvador, ainda hoje, pertence à universidade, mas foi cedido em janeiro de 2012 para que a Seagri administrasse, a fim de que a revitalização fosse feita, o que não aconteceu.

A mesma disputa acontecia em Ilhéus, onde também existiu um Instituto do Cacau e ainda há um museu de mesmo nome. Por meio da assessoria, a Uesc disse que o acervo e o prédio foram passados à administração da universidade e que a reforma por lá depende agora dos “trâmites da burocracia do estado”. De acordo com a assessoria, porém, o Centro de Documentação e Memória Regional (Cedoc) da Uesc já começou a restauração de peças do acervo do museu da cidade, centro estadual da produção cacaueira.

fonte: @edisonmariotti #edisonmariotti Clarissa Pacheco  larissa.pacheco@redebahia.com.br 
http://www.correio24horas.com.br/detalhe/noticia/parado-no-tempo-museu-dedicado-a-historia-do-cacau-tem-predio-imponente-mas-nao-funciona/?cHash=0b928360fc402298ed4c72a31e9f3fc6 

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