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segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

No museu mais ruidoso do mundo, a fila para a sala onde está a couve é muito longa mas avança depressa. Quinze minutos de espera e ela aparece, pequenina — não é maior do que a mão de um adulto. ( .pt )

Há quem diga que é delicada, por causa dos pormenores e das transparências. Há quem diga que é engraçada, por causa dos gafanhotos que se sustentam nela. É valiosa, porque é uma antiguidade e o escultor, anónimo, tinha arte, mas está longe de ser uma peça importante. Depois dos 15 minutos de espera só é possível olhá-la por breves instantes — há uma torrente de gente à espera para ver o objecto que Jin levou como dote ao tornar-se numa das mulheres do imperador chinês Guangxu, em 1889.


A couve — como tantos objectos e obras de arte que estão dentro do museu — pertence ao espólio da Cidade Proibida de Pequim, mas mora em Taiwan desde 1949, o ano em que Chiang Kai-shek teimou em não ser um general derrotado e abandonou a guerra civil, atravessou o estreito, e se instalou, com um milhão de pessoas, na ilha onde criou a República da China.



O dote de Jin é a peça mais popular do Museu Nacional de Taiwan. Foi sempre assim? A guia vacila, acaba a dizer que sim, mas que os chineses ajudaram.

O museu está inundado de turistas da República Popular da China. São tantos, tantos, que nos corredores, nas filas e nas salas de exposição acontece uma estranha coreografia aérea, com os guias agitando bandeiras com cores diferentes e chapéus-de-chuva com ursinhos de peluche pendurados, tentando ser vistos por todos os elementos do grupo que lhe foi entregue.

Não é maneira de ver um museu. Mas o museu de Taiwan não é só um museu. É uma arena política, um lugar onde se vê desfilar um conflito velho de 65 anos e que, devagarinho e com sinais ténues, como esta avalanche de turistas do "continente", se vai reabrindo.


Depois de anos de pacificação das relações com o "continente", há sinais de inversão do caminho. A população inqueta-se com a paciência e a perspicácia com que a China vai apertando um nó em volta da ilha.

Manifestação contra a política de aproximação à China em Taipé, frente ao palácio presidencial Reuters 

Desde que a entrada de turistas chineses foi autorizada em Taiwan (com contrapartida para o lado de lá), que o número dos que chegam à ilha não pára de aumentar. No final deste ano, terão sido 2,5 milhões, um aumento de 47% em relação ao ano passado. A presença desta multidão nas ruas da cidade, nas lojas e em todos os monumentos e lugares turísticos perturbou a existência dos habitantes desta ilha profundamente fracturada sobre o que deve ser a relação com o país no outro lado do estreito.

"Há tantos chineses em Taiwan, agora. Há chineses por todo o lado, acho que eles vão acabar por nos apanhar", diz uma mulher, só com a promessa do anonimato. Dirá outras, mais à frente.

Taiwan é a ilha no Mar da China que, há muito tempo, já se chamou Formosa. Num tempo mais recente, tornou-se um problema complicado da política internacional. É um território disputado por dois governos, ambos chineses, o de Pequim e o de Taipé.

A relação entre os dois lados do estreito evoluiu ao longo das décadas. Os homens da guerra civil defendiam a opção belicista, com Mao Tsé-tung a falar na libertação de Taiwan e Chiang Kai-shek na unificação da China.

Mas evolução nem sempre quer dizer mudança. Quando Deng Xiaoping deitou fora a ideia da "libertação" para passar a preferir o conceito de "unificação", selou para sempre a política oficial do Governo chinês em relação a Taiwan. Em Setembro, ao receber em Pequim uma delegação de grupos taiwaneses pró-unifição, o actual Presidente, Xi Jinping, foi claro: "A unificação é, desde há muito tempo, o nosso objectivo e é um objectivo sólido. É um facto inquestionável que Taiwan e o continente pertencem à mesma China", disse, citado pelo jornal South China Morning Post.

Pragmática e lúcida, a pequena ilha — que viu ser transformada em pó a sua existência internacional a partir de 1971, quando a República Popular da China passou a ser reconhecida pelas Nações Unidas e pela maior parte dos países como o único Governo legítimo da China — percebeu que teria que se reinventar para evitar ser absorvida de facto pela China. Morto Chiang Kai-shek, arrancou com um processo de democratização que foi lento mas pacífico. Pelo caminho, Taiwan desistiu da ousadia de unificar a China a partir de Taipé, aspirou à independência de facto (a China não permitiu) e pacificou-se com o gigante, com a assinatura de uma plataforma de entendimento (o Consenso, de 1992) em que as duas partes se comprometeram com três "nãos": não haverá unificação, não haverá declaração de independência e não haverá agressão.

O consenso perdura, mas do outro lado do estreito o discurso nacionalista adensa-se — como mostram as palavras de Xi, um Presidente que leva à letra a Constituição no capítulo que define que é desígnio da República Popular reunificar todo o território que algum dia foi China.

"Os dois lados concordam que se trata de um só país. O problema é que nós, quando dizemos China, queremos dizer República da China, e quando eles dizem China querem dizer República Popular. Concordamos em discordar", diz a um grupo de jornalistas (entre eles o do PÚBLICO), o vice-ministro para as relações Taipé-Pequim, Chu-chia Lin.
 
@ fonte: @edisonmariotti #edisonmariotti Por Ana Gomes Ferreira (Taiwan) 

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