Não exclusivamente textos que envolvam apenas panelas e bons ingredientes, mas, sobretudo receitas de como dar boas risadas com as histórias do interior.
Déa Rodrigues da Cunha Rocha é sua autora. Uma mulher que tem as raízes bem firmes no rico solo mineiro e os olhos atentos à graça das histórias humanas, principalmente estas das pequenas cidades, ainda temperadas pela ingenuidade e pela pimenta da sensualidade.
capa
DE
COMO UMA PESQUISA SOBRE COMIDA MINEIRA ACABOU EM VELÓRIO
A
comida mineira antiga, especialmente a quitanda, sempre despertou grande
curiosidade. As receitas não eram * escrita mas passadas boca a boca durante gerações.
As
quantidades eram um problema. Não se falava em medidas * tradicionais, mas em
punhado de fermento, pratos fundos, meio cheios ou rasos. Isso dificultava
tremendamente reproduzir uma receita. Tentava-se fazer um quitute, atualizando
em gramas, e nada dava certo. A qualidade do polvilho então era um drama!
Apesar
dessas dificuldades, iniciei uma pesquisa, especialmente no centro-oeste de
Minas. Após muita conversa, analisando o material colhido, fiquei surpresa ao
verificar que havia caído no meio de histórias de velórios. Histórias essas que
me levaram à descoberta do humor das pessoas simples da região, e à constatação
de que nem sempre o velório era só tristeza. Situações inusitadas e exageradas
foram depuradas e amenizadas.
Portanto,
este não é um livro de receitas, mas de pequenos contos de humor, a maioria
acontecida em velórios. Eventualmente, uma receita ou outra se relaciona
diretamente com a história.
-
As
receitas podem ser difíceis de fazer, mas as histórias são absolutamente
verídicas. Foram discretamente recolhidas,
apesar da timidez e reservas típicas da mineiridade.
A
simples presença de um gravador ou bloco de anotações encerrava qualquer
conversa. A tradicional cautela mineira esteve sempre presente. Troquei nomes e
não citei cidades, pois alguns protagonistas ainda estão vivos. Valeu a pena,
pois mergulhei no humor e na esperteza do nosso povo interiorano.
Algumas
pessoas já bem idosas me ajudaram a experimentar as receitas, e tentamos
estabelecer uma correspondência em gramas, como se faz atualmente. Hoje temos
pratos de todos os tamanhos, mas concluímos que o que melhor se adapta é o
prato fundo de ágata, material muito usado nas fazendas. Para copo, seria o tipo
americano.
A
qualidade dos produtos usados hoje faz a diferença, pois o que se comia
antigamente tinha gosto de infância e isto não se recupera.
Sempre
a comida da vovó era melhor do que a feita por uma esforçada esposa.
Meus
agradecimentos a todos que me ajudaram fornecendo as receitas, ignorando, quase
todos, que elas se misturariam neste livro com velórios.
15
Plano
funerário
Abelardo
recebia alegremente um velho amigo que voltara a morar na terra natal depois de
muitos anos vivendo em Belo Horizonte. Ninguém entendeu sua volta à pequena
cidade depois de vinte anos. O senhor Rigoberto havia ficado muito bem de vida
e gozava de boa saúde.
Depois
de alguma prosa, Rigoberto desabafou:
-
Eu voltei por causa do enterro.
Nem
bem acabara de falar, chegou um amigo de Abelardo que era corretor de várias
coisas, inclusive de planos funerários. Falante, como todo vendedor, logo
entrou na conversa dos amigos resolvido a vender um plano funerário a
Rigoberto. Totalmente sem cerimônia, já foi pedindo ao futuro freguês que se
encostasse na parede para ele medir o caixão.
E
aí começou a propaganda das vantagens do plano. Chegou a oferecer para
Rigoberto uma volta experimental no caixão para ver se estava confortável, se
não havia prego.
Dizia
entusiasn1ado:
-
É bom experimentar para ver se o acolchoado está macio, se o travesseiro é como
o senhor gosta, etc.
Levava
consigo o seu arsenal de propaganda incluindo uma cesta com amostra de doces e salgados para o cliente escolher o que iria servir no seu velório: pão
de queijo, bicoito cascudo, caldo de feijão, etc.
-
Escolha logo e experimente o caixão e os comes e bebes. Por falar nisso, o
senhor gosta de caldo de feijão com pinga? Até as carpideiras nós fornecemos.
Quantas o senhor quiser. Elas são devidamente treinadas: choram pouco se entra
um estranho no velório; se for da família, o berreiro dobra.
Rigoberto
só escutava, e por fim perguntou:
-
E como a gente é enterrada, em pé ou deitada?
Abelardo
resolveu intervir, para saber o que era enterrar em pé.
- Olha compadre, disse Rigoberto, isto é muito
importante para nim. Estou voltando de Belo Horizonte porque estão dizendo que lá
vão passar a enterrar as pessoas em pé para economizar espaço. Parece que lá tem
mais defunto do que terra , e então voltei pois padeço de dor nas pernas e não
ia aguentar ser enterrado em pé. A dor seria insuportável. Se o senhor garante
que me enterra deitado, eu compro plano. Dinheiro não é problema, rnas coconforto é.
18
Bolo
de mandioca
Ingredientes
2
colheres de sopa de manteiga
1
xícara de açúcar
4
ovos (bater as claras em neve)
1
prato fundo de mandioca crua ralada A mesma quantidade de queijo de minas
ralado
1
colher de Pó Royal
Modo
de fazer
Pegar
a mandioca crua ralada, ir acrescentando os ingredientes e por último as claras
em neve e o Pó Royal.
Colocar
para assar em forma untada com manteiga, ou pode-se colocar em forminhas
individuais. Pode-se substituir o queijo ralado por coco ralado. Esta receita fica
com textura de bombocado.
Em
algumas regiões, este bolo é chamado * Mané Pelado
Não
sei por que
19
O
caso da ambrosia preta
Josefa
amanheceu disposta a fazer uma ambrosia preta. Iria ter todo o tempo, pois o
Abadio ia para a cidade fazer uma consulta médica.
Ele
adorava aquela ambrosia preta que ela raramente fazia, pois era trabalhoso
bater os ovos.
Josefa
já havia posto o leite e o açúcar para ferver, quando o Abadio apareceu,
saltitante.
-
Hôme, ocê ainda está aí? A condução passa daqui a meia hora. Ocê acaba perdendo
a hora do medico.
-
Pra falar a verdade, Zefa, eu já tava na porteira e resolvi voltá porque eu
quero deitá com ocê antes.
-
Ficou louco. Ocê perde a hora do médico. Falta só meia hora para a condução
passar.
-
Dá tempo sim, Zefa. Vamo pro quarto.
Mas
a Zefa resistiu furiosamente e o Abadio foi triste para a cidade.
Parece
que ele estava mesmo precisando de médico, pois não é que teve um mal súbito na
vila e morreu? Voltou mortinho para desespero da viúva.
Velório
concorrido. Choro a mais não poder. A viúva, então, dava pena. De tempo em
tempo, ela lamentava:
-
Coitado do Abadio, morreu com vontade.
Todos
estavam intrigados. Vontade de quê?
Quase
na hora do enterro, Josefa perdeu o controle. Abraçava o defunto e em altos
brados lamentava:
-
Coitado do Abadio. Morreu com vontade. Eu não quis deitar com ele, mas tava na
hora da condução e eu tava fazendo ambrosia. E agora ele morreu. Vou ter remorso pela
vida inteira. Nem a ambrosia preta ele comeu.
22
Ambrosia
preta
Ingredientes
2
litros de leite
3
xícaras de chá de açúcar cristal
Canela
(um pau)
8
ovos
Modo
de fazer
Levar
ao fogo 2 litros de leite, 3 xícaras de açúcar cristal e um pau de canela.
Ferver até engrossar um pouco. Bater 8 claras, colocar as gemas e bater bem.
Despejar no leite fervendo e meio grosso. Completar com uma xícara de calda
queimada, o que vai dar uma cor morena ao doce. Mexer devagar. Quando não tiver
gosto de ovo, está no ponto.
Esse
doce pode ser feito em calda queimada. Quando for colocar as gemas, coar numa
peneira fina para não ficar com gosto forte de ovo.
23
O
vizinho
Quando
o pai do Astrogildo morreu deixou uma fazenda enorme para a filharada. Com
grande dificuldade tudo foi dividido entre os 14 filhos. Mal dividido, pois o
Astrogildo ficou com um sítio bem no meio da fazenda.
Como
gostava mais da pinga do que do trabalho, fez só um rancho e comprou um
burrinho para ir ao arraial. O burro já sabia o caminho de volta, pois o
Astrogildo voltava na maior bebedeira, num cai-não-cai da sela.
Os
irmãos foram vendendo seus pequenos sítios e mudando-se para a vila.
Seu
Amâncio foi comprando os sítios, um a um, até que restou só o de Astrogildo.
Sempre que vinha da cidade, ele vinha bêbado, deixando a porteira aberta,
misturando o gado do vizinho. Um desastre. Sondado por outros, dizia ele que só
morto venderia sua terrinha.
Certo
dia "Seo" Amâncio parou Astrogildo no caminho para um dedo de prosa.
-
Sabe, Astrogildo, você gosta tanto do bar do Tonho... Por que não compra o
terreno ao lado do bar? A cidade está crescendo
tanto. Logo o terreno estará valendo um dinheirão
e você não tem que vir de noite para o sítio. É perigoso, não acha?
Asrrogildo
era de poucas letras, mas bastante esperto. Só escutou.
Numa
das bebedeiras habituais, saiu do bar cambaleando e caindo nos buracos da rua,
visto que que o prefeito não lá grande coisa. A cada buraco Astrogildo xingava.
A cada buraco era um "filho da puta", um "desgraçado. Já quase
do outro lado, esborrachou num buraco monstruoso e gritou:
-
Desgraçado do Machado. Era buraco de merda!
Quando
levantou os olhos deu de cara com o prefeito que lhe perguntou:
-
Parece que ouvi meu nome, seu Astrogildo. O que foi?
-
Foi nada não. Eu disse que o senhor é desgraçado de bom. Merece ser prefeito!
Assim
era o Astrogildo, que ouvindo um dia o Amâncio lhe dando conselhos, saiu-se com
essa:
-
E o "Seo" Amâncio, que é mais inteligente do que eu por que não vende
esra fazendona toda e compra o arraial inteiro?
“Seo"
Amâncio, que não era bobo nem nada, raciocinou:
-
Esta situação minha com o Astrogildo é como casamento. Só a morte separa.
Assim
aconteceu. Foi um casamento longo.
26
Brevidade
Ingredientes
450
gramas de açúcar
450
gramas de polvilho doce
12
ovos (6 ovos sem as claras)
Modo
de fazer
Misturar
todos os ingredientes até ficar bem grosso. Assar em forma furada ao meio ou em
forminhas individuais. É necessário bater bem até clarear bem a massa.
A
brevidade é um tipo de bolo que dá grande trabalho. Ela não gosta de batedeira
elétrica, prefere uma colher de pau.
27
As
despedidas
É
tradição nos velórios da região a despedida da Família. Não essa despedida
silenciosa e triste que costumamos ver, mas as coisas mais curiosas e
disparatadas.
Ora
é um mandando lembranças para seus mortos e avisando que não demora ele vai
"queimar o chão", isto é, morrer e ir encontrá-los.
Ou
por vezes também é hora da sinceridade espontânea e inconveniente, como foi o
caso do senhor Jeovah no velório da esposa.
Achegou-se
compungido e começou a tradicional lenga-lenga: "Como vou viver sem você?
Por que Deus resolveu te levar?", etc.
De
repente, retirou as mãos de cima das mãos da defunta e desabafou:
-
Ah, Guinerdina do capeta! Graças a Deus ocê morreu. Eu não agüentava mais ocê.
Só peço a Deus que não te mande pro inferno. Purgatório está bom.
Foi
um escândalo! Só menor do que o protagonizado pelo "Seo" João quando
sua esposa faleceu.
Durante
o velório, ele quase não ficou na sala. Assentou-se no rabo do fogão de lenha,cabeça
baixa. Mal falava com as pessoas que se aproximavam.
Na
hora da despedida, um dos filhos veio procurá-lo e disse:
-
Pai, tá na hora da despedida. Vem despedir da mãe. João levantou-se e, chegando
perto do caixão, para espanto de todos, começou a passar a mão nas pernas da
morta e lamentar em voz alta:
-
Ah, meu Deus! Nunca mais vou passar a mão nas pernas da Dolores. Que
infelicidade! Pernas iguais às dela ninguém tem! Deixa eu passar a mão pela
última vez. Que saudade!
A
cada passada de mão a saia da morta levantava um pouco e as flores iam caindo
pelo chão. O filho desesperado tentava fechar o caixão, mas o João continuava
alisando as pernas da morta, engasgado de choro.
Cansado
de pedir para fechar o caixão e minimizar o comportamento de seu pai,
arrematou:
-
Aproveita, pai, que é a última vez! As mulheres cochichavam escandalizadas, e
os homens, pesarosos, não conseguiam se lembrar das pernas da Dolores.
*
O rabo do fogão de lenha é a parre inicial onde a lenha se apoia.
30
Cueca
virada
Ingredientes
1
copo de óleo
2
ovos
1
pitada de sal
1
copo de leite morno 6 colheres de açúcar
2
colheres de fermento em pó 1 kg de farinha de trigo
Modo
de fazer
Amasse
tudo e deixe a massa descansar. Depois faça as cuecas. Corte retângulos de 10
por 6 cm, e dê um talho de 2 cm bem no meio na massa, no sentido do
comprimento. Puxe as duas pontas superiores e passe por esta abertura.
Deixe
descansar novamente. Em seguida frite em óleo quente e passe no açúcar refinado
com canela.
31
A
busca
Seu
Genebaldo era o velhinho mais animado da Vila. Vivia
dizendo
aos mais novos:
-
Peguei você no colo. Agora você nem anda mais, passa
a
roupa.
Tão
disposto estava que resolveu procurar uma noiva. Os filhos deram a maior força
e ficavam à cata de novidades. Noiva, nada. Contava ele que tinha arrumado uma
namorada, mas não conseguia ficar um minuto a sós com ela. Era visita o dia
inteiro.
Conversou
com a moça e combinaram que na sexta-feira iriam ficar sozinhos.
No
dia seguinte, o filho perguntou:
-
Como é pai, deu certo?
-
Deu nada, nunca vi uma mulher com tanta comadre. De cinco em cinco minutos
chegava uma trazendo um pratinho de Mané pelado; outra, calcanhar de negro. Um
inferno!
Passou
um tempo e outra namorada entrou na sua vida. Era uma senhora vistosa e o
"Seo" Genebaldo ficou entusiasmado.
Um
dia resolveu dar uns amassos nela e ela gritou:
-
Ai!
Pegava
no braço, ai! Os ais iam aumentando à proporção que seu Genebaldo se aventurava
mais. Assustado com tanta dor, resolveu ir à cozinha tomar um pouco de água.
O
que viu foi assustador. Ela tinha um armário enorme, cheio de remédios. À
noite, confessou ao filho:
-
Pensei que os ais eram fricotes, e não é que eles eram de verdade! Com aquela
quantidade de remédios, eu não caso. Aquela moça tem dor demais.
-
Pai, quantos anos ela tem?
-
São meninas, a mais velha só tem 78 anos.
Até
hoje, seu Genebaldo não desanimou. Procura uma * moça sem comadres e que não
goste de remédios.
*
Passar roupa é andar arrastando os pés.
34
Biscoito
calcanhar de negro
Ingredientes
1
prato fundo de polvilho doce
Meio
prato (pelo friso) de água
Meio
prato (pelo friso) de gordura dc porco ou óleo
11
ovos
Sal
necessário
Modo
de fazer
Escaldar
o polvilho com a gordura (ou óleo) e água. Amassar bem até a massa ficar fina.
Em seguida colocar os ovos e o sal.
Amassar
novamente até que fique tudo bem misturado e no ponto. Colocar a massa no pano
e espremer.
Fazer
os biscoitos pequenos porque eles crescem muito. Em seguida, levar ao forno
quente, mas não exageradamente quente. Ideal para uma matula.
*
Matula: lanche
35
Tia
Quitéria
Tia
Quitéria era admirada por sua educação e finura. Destoava um pouco dos
fazendeiros rústicos da região, mas tinha um ponto fraco: a capacidade de dizer
as coisas mais inconvenientes nas horas mais ainda. Não era por maldade, maspor
burrice mesmo.
Quando
seu compadre Bijuca faleceu, ela estava em Belo Horizonte. Na sua volta
resolveu visitar o túmulo do compadre.
Convidou
a Clementina e lá foram as duas. Chegando ao cemitério foram direto ao túmulo
colocar flores. Ela estranhou porque o nome do "Seo" Bijuca não
estava na lápide. Clementina interveio:
-
Não deu tempo de colocar o nome, tia Quitéria. Ele morreu na semana passada.
Ela
ficou pensativa e deu pressa de sair do cemitério. Em todo o caminho ia
resmungando, mastigando as palavras.
-
Por que não puseram o nome do Bijuca no túmulo?
-
Ora, tia, aqui não se escrevem nomes em bronze. Tem que fazer na capital. É
claro que não deu tempo. Que importância tem isso, tia?
-
Tem e muita, Clementina. Vou chamar a atenção da comadre.
Chegando
à casa da viúva, que por sinal estava cheia de visitas, ela foi logo dizendo:
-
Comadre, não pude nem rezar pelo compadre, pois não sabia de que lado do túmulo
ele estava. Não tinha o nome.
O
silêncio foi geral e constrangedor. A viúva ficou amarela e os outros saíram
rindo pelos cantos.
Clementina
jurou não fazer mais visitas com tia Quitéria.
38
Biscoito
cascudo
Ingredientes
750
gramas dc polvilho doce
três
quarto dc xícara de leite cru e frio
Uma
xícara e meia de óleo ou gordura de porco
5
colheres de sopa de açúcar
Uma
colher de sopa de sal
6
ovos
Modo
de fazer
Umedecer
o polvilho com o leite. O leite deve ser cru e frio, temperatura natural. Usando as mãos, misturar
desmanchando possíveis bolinhas. É uma parte trabalhosa. Leva-se pelo menos 40
minutos trabalhando o polvilho umedecido.
Para
ver se está no ponto, coloca-se um pouco na palma da mão e aperta-se. Se formar
um canudo mais ou menos firme, pode-se continuar a receita.
Por
no fogo o óleo, ou gordura dc porco. Deixar esquentar ao máximo e escaldar o
polvilho umedecido.
Mexer
a massa bem e rapidamente. Misturar o açúcar e o sal. Amassar até que fique
quase fria. Coloca-se então os ovos, um a um, amassando com as mãos.
Esta
receita gasta 6 ovos, dependendo do tamanho. O ovo caipira é menor e talvez
gaste mais.
A
massa não deve ficar mole, pois este biscoito é enrolado na mão untada de óleo.
O
formato clássico é um meio círculo. Forno muito quente. O forno ideal é o do
fogão de quatro bocas. O forno grande é um desastre, pois o calor não fica
concentrado.
O
biscoito cascudo cresce bastante. Ele é um dos mais saborosos, mas e difícil de
fazer.
O
ideal é fazer pela primeira vez com uma pessoa experiente.
O
problema é o "ponto”. Só vendo para se fazer bem.
40
A
prova
Seu
Colotário não agüentava mais a conversa fiada do Florisvaldo. Todo mundo sabia
que ele estava em sérias dificuldades financeiras, mas contar vantagem era com
ele mesmo. Toda a noite passava um dedo de prosa com Seu Colotário. Queria
sempre saber o que ele havia jantado. E dizia, batendo na barriga:
-
Só como lombo de porco. Cada dia a Marfisa capricha mais.
Hoje
ela fez lombo cozido com abacaxi. No começo não gostei muito do abacaxi, mas
agora como pelo menos duas vezes na semana. É lombo de porco novo. Ocê,
compadre, precisa experimentar.
"Seo"
Colotário ouvia e pensava num meio de acabar com aquilo. Afinal, ele era bem de
vida, comia bem e não tinha nada a ver com o que o Florisvaldo comia.
Sempre
ao sair, o contador de prosa pedia um café ou uma água.
Naquele
dia “Seo" Colotário perdeu a paciência, pois o Florisvaldo lhe disse que
tinha certeza que o amigo só tinha jantado abóbora madura e carne moída.
Vai
ser hoje, pensou, e colocou no café uma boa dose de sal de * Glauber.
Café
bem forte que o Morisvaldo engoliu de um golpe só.
Estranhou
um pouco o gosto, mas nem teve tempo de reclamar pois começou a vomitar
violentamente.
Era
o que Colotário queria. Morisvaldo só vomitou abóbora madura.
44
Lombo
de porco com abacaxi
Ingredientes
Lombo
Abacaxi
Tempero
a gosto
Modo
de fazer
Um
lombo bem temperado.
Levar
ao fogo numa panela grande.
Vai-se
pingando água para cozinhar sem ressecar.
Deve
ser cozido em panela tampada.
Quando
estiver cozido, deixar cor ar dos dois lados.
Parte-se
um abacaxi em quadrado» grandes, sem o miolo, e
mistura-se
ao lombo.
O
abacaxi mais azedo fica melhor.
Servir
com arroz e farofa de farinha de mandioca.
45
O
democrata
Os
irmãos Nonato eram extremamente severos e benquistos na cidade. Seu Isidoro,
então, nem se fala. Era convidado para padrinho de todos casamentos. Bem
humorado, ele dizia que o convite era para seu Aero Willys, pois ele fazia
questão de levar as noivas para a igreja. Um dia capotou, e, tentando sair,
ouviu um curioso comentar:
-
Como esse burro conseguiu capotar esse carro nesse lugar?
Seu
Isidoro saiu do carro, já de trinta e oito na mão, e foi logo esclarecendo ao
atrevido que o carro era dele e que ele capotava na hora e lugar que quisesse.
No
mais, seu Isidoro e era só simpatia. Essa simpatia foi testada quando o Justino
* atrapalhou a Maria, sua irmã. Foi o caos.
Os
irmãos resolveram a armar uma tocaia e liquidar o Justino. Foram para o caminho
por onde ele passava todas as noitinhas.
Enquanto
comiam a * matula feita por sinhá Donáira, Isidoro estava pensativo e de
repente disse aos irmãos:
-
Antes de matar eu vou falar com ele. Sou mais democrata do que ocês. Vou dar
uma chance para ele.
Nisso,
surge o Justino na estrada. "Seo" Isidoro se adiantou e gritou:
-
Justino, pera aí! Quero um pé de prosa com ôce. Foi chegando e falando:
-
Fiquemos sabendo que você atrapaiou a Maria, mas, como sou muito democrata vou
deixar ocê escolher entre três jeitos de resolver a situação. Primeiro, ocê
casa. Segundo, nóis te capa. Terceiro, nóis te mata. Como ocê vê, sou democrata
e tô te dando três chances. Meus irmãos queriam te matar sem democracia.
Justino
casou. Foram felizes para sempre.
.
* Atrapalhou, “atrapáia”: tirar a virgindade
.
* Matula: lanche
48
Ovos
queimados
Ingredientes
6
ovos
6
colheres de queijo ralado (curado)
Açúcar
Água
Modo
de fazer
Bater
6 claras em neve. Colocar as gemas e continuar batendo. Misturar 6 colheres de
queijo ralado curado.
A
parte, fazer uma calda grossa. Colocar os ovos e uma xícara de calda queimada e
deixar cozinhar.
Tirar
de vez em quando. Os ovos empelotam e ficam amarronzados.
Deixe
cozinhar ate nao sentir o cheiro de ovo cru. .
.
Servir
frio. Dura muito tempo na geladeira. Nao deixar calda engrossar muito.
49
O
relógio Mirvaine
Seu
Tatalo e Dona Nicota eram no seu tempo o que chamamos hoje de consumistas. O
mascate era que gostava. Para Dona Nicota, era o máximo do chique ter as coisas
antes dos outros.
Um
dia o mascate apareceu com uma garrafa térmica. Dizia que ela esquentava o café
e o “Seo" Tatalo entendeu ao pé da letra.
Fez
café, esfriou bem, colocou na garrafa térmica e nada de esquentar. O mascate,
pensando num defeito da tampa, trocou a garrafa por outra e lá foi
"Seo" Tatalo fazer outra experiência.
Gelado.
Quase mata o mascate, que, distraído, não dera as informações certas: a garrafa
conservava o café quente. Dona Nicota achou que não valia a pena, pois o fogão
também mantinha o café quente.
Negócio
bom tinha feito Urias, seu filho, comprando um relógio Mirvaine. O relógio
resistia a tudo: água fria, água quente, queda e outras qualidades. Até
calendário tinha. Unias não cansava de exibir o relógio e um dia resolveu
testar suas qualidades.
Botou
água para ferver e mergulhou o relógio. Como ele mesmo disse: "Bateu e
cessou". Foi uma tristeza.
O
consumismo de Dona Nicota quase levou a família à falência. Quando surgiu a
televisão no Brasil, o mascate veio contando maravilhas. Dona Nicota encomendou
uma. Convidou a vizinhança.
O
mascate chegou, ligou na tomada e tome chuvisco.
Todos
rodeavam a televisão e consta que o mascate aproveitou para sumir
definitivamente da região.
A
vizinhança foi chegando, e ficavam na expectativa de uma imagem que não vinha.
Antena, nem se sabia o que era isso.
Horas
depois o compadre Olavo desistiu e foi dizendo à Dona Nicota:
-
Ela não proseia, nem tem feição. E foi embora. Os outros ficaram.
A
família e os amigos estavam hipnotizados pelo chuvisco.
Esperavam
uma imagem. Os outros vizinhos desanimaram.
Logo,
só a família a permanecia fascinada pelo chuvisco.
Ninguém
tirava mais leite. Dona Nicota mal fazia o almoço e a
fazendinha
foi decaindo, nem um pé de couve tinha na horta.
Um
belo dia, Dona Nicota colocou a mão em cima da televisão e alertou:
-
Desliga a televisão ela está muito quente.
-
Pode deixar mãe, eu esfrio ela num instante, disse ele.
E
conseguiu. Jogou um balde dc água na televisão que respondeu com um
curto-circuito e ficou muda. Nem chuvisco.
Com
o incidente, a família voltou ao normal. Todos voltaram ao normal.
Dona
Nicota viveu o sufiviente para ver um programa de tevê de verdade o suficiente
para ver um quando foi a São Paulo visitar
a irmã. Adotou a TV Tupi, mas não comprou mais televisão.
51
Pão
de Caxambu
Ingredientes
1
quilo de farinha de trigo
4
colheres de sopa dc fermento Fleishman
5
ovos inteiros
1
xícara e meia de óleo ou manteiga derretida
1
xícara e meia de açúcar
1
xícara e meia de água morna
Modo
dc fazer
Retira-se
250 gramas de farinha, mistura-se ao fermento e 1 xícara e meia de água morna.
Deixa-se
crescer coberto com um pano.
Mistura-se
depois o resto da farinha, os ovos inteiros, oléo (ou a manteiga derretida) e o
açúcar. Sovar bem.
Fazer
os pães de tamanho pequeno. Com 20 centímetros no máximo dá pra 8 pães.
Colocar
nas formas e deixar crescer. Cobrir com um pano. Quando dobrar de volume, levar
ao forno quente. Assa bem rápido.
Ainda
quente, untar com manteiga derretida e polvilhar com açúcar e canela.
Este
pão era muito usado nas fazendas, pois guardados em latas tinha grande duração.
53
O
dia em que a vovô resolveu morrer
-
O quê? Vovó Olívia morreu de repente?
-
Sim, agorinha. Avise a família e chame seu pai, ele está na prefeitura. Temos
um sério problema.
Sua
avó morreu na hora errada.
A
mãe se descabelava com a morte da sogra. O neto estranhou tanto desespero, o
que não é comum em caso de morte de sogra.
O
pai chegou e viu-se que a aflição da nora tinha outra razão.
-
Augusto, eu sempre lhe pedi para comprar um túmulo chique para a sua mãe. O que
vão dizer? Vai ser um vexame para ela que lhe ajudou tanto na política. Cova
rasa... E agora? Já mandei encomendar o salgados da Mariquinha, que são os
melhores, e os doces. Por sorte, a família de um defunto da cidade de vizinha
não veio buscar uma encomenda e eu fiquei com todos. E você, Augusto, o que vai
fazer? Tanta comida fina e sua mãe na cova rasa.
Estabeleceu-se
a confusão.
Nesse
ínterim, chegou primo Renato, que, sempre solicito, lembrou do túmulo da sua
avó e se propôs emprestá-lo.
O
jazigo era bem localizado no cemitério, perto de um antigo prefeito e de uma
senhora famosa pela caridade. Foi a salvação.
O
neto, que tudo observava, e nos seus dez anos não entendia muito do assunto,
interrogou:
-
Eu nunca ouvi dizer que se empresta túmulo.
Empresta
sim, meu filho, disse a mãe já aliviada. Assim dá tempo de seu avô comprar um
terreno e fazer um túmulo para a vovó.
O
enterro foi um sucesso. O túmulo era imponente e foi superelogiado, e mais
ainda os comes e bebes. Não se podia esperar nada diferente na casa do
prefeito.
Cinco
anos depois, vovó foi transferida sem alarde para uma morada mais simples e
definitiva.
56
Rosquinhas
fritas
Ingredientes
4
ovos
8
colheres de açúcar refinado
1
colher de sopa de pinga
1
colher de sopa de manteiga
Farinha
de trigo
Modo
de fazer
Juntar
todos os ingredientes e ir acrescentando a farinha de trigo até a massa dar
ponto para enrolar as rosquinhas.
Fritar
e passar logo em açúcar refinado e canela em pó.
57
Catalepsia
A
noticia correu célere no vilarejo: "Seo" Oscar morreu.
O
velório foi movimentado. Homem de muitos amigos e, dizem as más línguas, de
"amigas" também. A casa ficou cheia.
"Seo"
Joaquim, compadre e companheiro de muitas noitadas, custou a criar coragem para
ir se despedir do amigo. Passou na venda do Alírio e comprou uns "pau-a-pique"
para colaborar no café da meia noite.
A
primeira coisa que notou ao entrar na sala foi a falta de choro da viúva.
Impassível ao lado do caixão; séria, mão no rosto, parecia alheia ao defunto.
"Seo" Joaquim achegou-se, temeroso para cumprimentá-la.
Não
se sabe se foi alergia ao cheiro das flores que cobriam o morto, mas o fato é
que ele, embora tentasse segurar, deu um tremendo espirro. O defunto sentou-se
no caixão, perguntando o que estava acontecendo.
Não
ficou uma pessoa na sala. Aliás, ficaram duas: a viúva desmaiada e
"Seo" Joaquim, cujas pernas falharam e ele não pôde correr.
"Seu"
Oscar tivera um ataque de catalepsia. E por um bom tempo o coitado foi visto
como um fantasma.
Os
anos se passaram e um dia "Seo" Oscar morreu "de novo". Armado
o velório, "Seo" Joaquim foi se despedir do amigo.
Quando
foi entrando na sala onde estava o corpo, foi violentamente retirado por uma
mão que lhe tampava a boca e o nariz. Assustado, viu que era a viúva que foi
logo lhe dizendo baixo:
-
Compadre, não pode entrar aí. Se quiser espirrar vai fazer isso lá na rua.
Até
hoje "Seo" Joaquim pensa:
-
Será que o Oscar morreu mesmo?
60
Pau-a-pique
Ingredientes
3
xícaras de chá de caldo de cana coado (garapa)
3
xícaras dc chá de açúcar
7
xícaras dc chá de fubá peneirado
1
xícara de chá de óleo
1
xícara de chá de manteiga
2
xícaras dc chá de leite
1
colher de chá de sal
1
colher e meia de sopa de bicarbonato de sódio
5
ovos
Erva-doce
e cravo-da-índia a gosto
Folhas
novas de bananeira lavadas para enrolar as broas
Modo
de fazer
Colocar
numa panela a garapa, o açúcar, o óleo, o cravo, a canela e o leite e levar ao
fogo para ferver.
Retirar
do fogo, deixar esfriar e acrescentar o fubá e a farinha de trigo misturando
muito bem para não empelotar.
Levar
novamente ao fogo para cozinhar, mexendo sempre para não agarrar no fundo da
panela.
Após
esfriar, bater os ovos, acrescentar o sal e o bicarbonato e despejar sobre a
massa já preparada, misturando muito bem.
Colocar
a massa sobre a folha de bananeira e dobrar as pontas. Fazer canudos.
Assar
em forno quente. Demora mais ou menos uma hora para ficar pronto.
61
Separação
de corpos
Interesseiro
como ele só, Gumercindo estava em busca de uma herdeira. Só que estava difícil:
as ricas já estavam casadas. Mas ainda havia uma, a Avelina, que em riqueza e
feiúra empatava. Vinte fazendas, dinheiro que não acabava mais, porém um pavor
de feia.
Gumercindo
resolveu tentar. Qualquer coisa era melhor do que trabalhar. Marcou visita,
pois o futuro sogro era severo. Foi um "lufa-lufa" na casa. Avelina
mandou fazer as broas de massa de queijo que o Gumercindo adorava. E no dia
aprazado, lá foi ele pensando nas vinte fazendas.
Já
na chegada quase morreu de susto. A Avelina tinha se pintado, tentando ficar
bonita. Até no sovaco tinha rouge. Para completar, a Avelina literalmente o
atacou. Queria um beijo. Quando viu aquela maçaroca de pintura avançando em sua
direção, Gumercindo quase desistiu. Não dava. "Ai, meu Deus, eu quero
enricar mas vou dar uma desculpa", pensava.
-
Avelina, beijo só depois que eu falar com seu pai.
A
entrada de “Seo" Aniceto na sala salvou-o de mais constrangimento. Ele e o
futuro sogro foram conversar em outra sala.
O
tempo passava e nada de saírem. Avelina estava aflitíssima.
O
café já esfriara e as broas de massa de queijo dormiam na travessa.
De
repente a porta se abriu e saíram os dois, literalmente amarelos de
"sengraceza"
-
Como é, Gumercindo, tudo combinado?
-Não
Avelina, seu pai não aceitou minha proposta.
-
Que proposta ?
-
Comunhão de bens e separarão de corpos.
Lufa-lufa:
reboliço doméstico na elaboração culinária.
Sengraceza:
constrangimento
64
Broa
de massa de queijo
Ingredientes
Massa
de um queijo de 1 kg sem soro
12
ovos
Meio
prato raso dc açúcar
Fubá
de canjica
Uma
colher de margarina
Modo
de fazer
Espremer
a massa de queijo para tirar todo o soro.
Acrescentar
os ovos, o açúcar e a margarina.
Acabe
de amassar acrescentando o fubá de canjica.
Fazer
as broas, passando-as no fubá. Asse em forno quente.
A
MASSA DE UM QUILO DE QUEIJO E EQÜIVALE A 10 LITROS DE LEITE COALHADO E
ESPREMIDO.
65
Defunto
feliz
Quando
Rosalvo Mota faleceu, foi um desfilar de gente no velório. Pessoa importante,
rico. Além de tudo, possuía uma esposa que era uma santa criatura. No velório
os homens cochichavam num canto e sorriam.
Dona Veridiana, a grande amiga da
família, entrou com marido. Cumprimentou a viúva que chorava copiosamente. Beirou
caixão, admirou-se e não resistiu, falando bem alto:
-
Pra que chorar o Rosalvo? Olhe a cara dele. Nunca vi um defunto com esse ar de
felicidade. Ele morreu feliz. Parece até que comeu um doce.
Seu
marido, sabedor da real situação, lhe deu um daqueles pisões de pé que precisam
até de médico para tirar a unha encravada.
Quando
soube da história, Veridiana ficou furiosa com o marido e com os amigos do
falecido que estavam escondendo o fato que ele morrera na casa da amante. Mal
sabia ela que eles só pretendiam poupar a digna esposa.
67
Amor
em pedaços
Ingredientes
1
abacaxi ralado
1
coco ralado
1
colher de manteiga
3
xícaras de açúcar refinado
3
gemas
Modo
de fazer
Misturar
bem todos os ingredientes. Levar ao fogo. Mexer até ver o fundo da panela.
Deixar
esfriar. Fazer bolinhas e passar no açúcar cristal.
69
O alambique
Desde que viera para a região, "Seo" Juca Lelis surpreendeu a
todos. Enquanto os outros só pensavam em pastagem, "Seo" Juca
desandou a plantar tudo que aparecia e com sucesso. Colaborava nisso Dona
Jupira, que parecia uma máquina de trabalho. Fazia queijo, farinha de mandioca,
pilava arroz. Praticamente o casal só comprava sal, pois até rapadura ela
fazia. Sobrava até para vender para os vizinhos. Só faltava mesmo uma
pinguinha, mas o problema era o alambique. "Seo" Juca já havia
pensado nisso, mas era caro. Todo dinheiro que Dona Jupira ganhava da venda do *
João deitado e do licor de Indaiá era guardado para comprar um. Até que um dia
um bando de ciganos passou por lá, trazendo num carroção um alambique pra lá de
bonito.
Negócio vai, negócio vem, “Seo" Juca comprou. Dois cavalos entraram
na trama. Os ciganos ajudaram a instalar a beleza de cobre e se mandaram.
"Seo" Juca começou a fabricar uma pinguinha, no capri¬cho.
Logo ficou famosa, tão boa que era.
Tudo ia na santa paz, até que o governo resolveu proibir o funcionamento
das pequenas destiladas. As más línguas diziam que era para proteger a usina de
açúcar que se instalara na região.
Começou o confisco dos pequenos engenhos e foi um terror. Isolado
naquele sertãozão, “Seo" Juca achou que não iam aparecer por lá. Mas
apareceram. Um dia o Juquinha veio botando os bofes pela boca para avisar que
os fiscais estavam na fazenda do "Seo" Galdino.
Felizmente o alambique estava sem uso, e o "Seo" Juca o tirou
do lugar e colocou 110 quartinho dos arreios. Jogou ** enxerga e *** baixeiros
em cima, e até um ninho de galinha choca. Na fornalha. Dona Jupira colocou
material para fazer sabão.
Mudança total de cenário.
Quando os fiscais chegaram, estava uma desordem. Até a galinha choca
resolveu voar do ninho improvisado, derrubando a bandeja de café que Dona
Jupira vinha trazendo. Nesta altura, os fiscais deduziram que aquilo ali era
uma bagunça: casa de farinha e sabão.
"Seo" Juca esperou uns dias para retomar a função. Tentou
carregar o alambique e nem conseguiu aluir do chão. Precisaram três homens para
carregar aquele monstruoso trambolho que a força do medo o ajudara carregar
sozinho.
. * Em algumas cm regiões fazem um biscoito de rapadura, também chamado
de “João deitado” Na verdade é uma rapadura feita com leite. Fica com uma cor
esbranquiçada depois de uma violenta sessão de batidas com colher de pau no
grosso caldo. É muito trabalhoso, difícil de fazer, por isso não dei a receita.
Requer grande prática. É delicioso, derrete na boca. Alguns caprichosos dão-lhe
a forma de uma cobra enrolada com a cabeça em pé.
** Enxerga: forração macia que se coloca no cavalo antes do arreio.
*** Baixeiro: pêlo de carneiro ou qualquer material fofo colocado em uma
do arreio para conforto do cavaleiro.
72
A contribuição
"Seo"
Epaminondas é um mineiro do sertão. Fazendeiro de grandes terras, não perdeu a
simplicidade, e principalmente aquela solidariedade ainda bem típica das
pequenas cidades e de grandes espíritos.
Houve
tempo em que ele era o bem-querer das moças, encantadas com seus olhos
derramados de azul.
Não
se sabe quando, resolveu freqüentar todos os velórios na vila e arredores.
Morreu alguém, la estava ele nos primeiros e tristes momentos, ajudando a
família desorientada.
Tomava
providências, tinha sempre uma palavra boa sobre o morto.
Estimado
por todos, "Seo" Epaminondas era especialmente apreciador do café e *
quitandas servidos na volta da noite durante o velório.
Certa
vez, velando um quase desconhecido, esperava em vão pelo café. E nada. O tempo
passava. A viúva só pensava em chorar. Já havia derramado um ribeirão de
lágrimas e nada de café.
Então,
ele não teve duvidas. Chegou aos amigos e disse:
-
Vamos fazer uma vaquinha? Cada um da um pouco
quê
eu vou mandar buscar umas quitandas, caldo de feijão e uma pinguinha. Defunto a
seco não dá e ainda está bem frio hoje.
Começaram
a pegar os trocados e foi aí que a viúva percebeu o que estava acontecendo.
Aproximou-se solícita:
-
"Seo" Epaminondas, eu também quero colaborar com algum dinheiro, por
favor.
A
resposta veio rápida:
-
Não, minha senhora. Não carece. A senhora já contribuiu com o defunto. É
bastante. O resto é com "nóis".
.*
Quitandas: biscoitos, broas e demais quitutes para se apreciar com café.
76
Caldo de feijão
Ingredientes
1 kg de feijão
Tempero a gosto
Modo de fazer
Deixar o feijão de molho um dia antes.
Cozinhar bem em panela comum. Ele deve ir cozinhando devagar, e não na pressão.
Cozido, tempera-se a gosto sem amassar o feijão nem bater no liquidificador.
O caldo aparece naturalmente.
O caldo não é aquele grosso e
liquidificado. O caldo se forma naturalmente no fogo brando. É mais ralo e sem
os resíduos do feijão que passou pelo liquidificador. O rendimento e pequeno,
já que o feijão não é amassado.
O caldo de feijão é muito usado para
acompanhar uma pinga. Deve ser servido em copinhos de cerâmica e bem quente. O original
é meio difícil de se fazer em fogão comum. O ideal é o fegão à lenha.
77
De
como um anjo perdeu a asa
Tio
Teodulino era gordíssimo e comia que era um absurdo. Naquela noite comeu tanto
lombo de porco com mandioca e queijo que acabou tendo uma congestão e morreu.
O
velório foi um atrito só. Dona Cotinha, como era católica, mandou acender
velas. Os filhos, que tinham outra crença, não gostaram, e era só Dona Cotinha
se distrair que apagavam as velas. Na terceira apagada, ela ficou furiosa e
declarou solene:
-
O defunto é meu e as velas vão ficar acesas!
Foi
aí que um cunhado reparou que o caixão estava dando estalinhos, e que o
defunto, que já era gordo, estava com uma barriga enorme. Inchava a olhos
vistos. Chamou o filho do morto e disse:
-
Tonho, vamos buscar outro caixão mais forte e maior porque a situação está difícil.
Seu pai vai explodir.
Foram
à cidade vizinha e trouxeram um enorme caixão. Eles mesmos mudaram o defunto
para o caixão novo.
Pouco
tempo depois, o caixão começou a estalar e a barriga do Tio Teodolino continuou
a crescer.
-
Tio, parece que vamos ter que fechar o caixão, amarrar ou enterrar mais cedo.
Vou falar com a mãe.
Consultada,
Dona Cotinha declarou mais uma vez que o defunto era dela e que não iria
enterrar antes da hora. Não houve jeito de convencê-la, e um dos filhos foi
buscar * cordas de bacalhau no curral para amarrar o caixão. Custaram a fechar e
amarraram em três lugares.
Finalmente
chegou a hora do enterro. Caixão de ricos, ** seis alças, naturalmente. Não
faltou quem se habilitasse a carregar o falecido. Pesava pra danar.
Foi
colocado no túmulo cuidadosamente. A família apreensiva, mas tudo correu bem
para alívio dos que sabiam do problema.
Quando
já estavam na porta do cemitério, ouviram um estrondo. Tio Teodulino havia
explodido. Até o túmulo vizinho fora atingido, e o lindo anjo que o decorava
foi atirado longe, quebrando uma das asas.
.*
Corda de bacalhau: tipo de laço feito de sizal
.
**Seis alças tem o caixão de rico: O de pobre só tem quatro pela dificuldade de
achar quem o carregue
80
Lombo
de porco com mandioca e queijo
Ingredientes
Um
lombo de porco
Uma
boa porção de mandioca
Manteiga
comum
Queijo
mineiro
Modo
de fazer
Faz-se
um lombo na panela e não no forno.
Cozinha-se
a mandioca, tira-se o fio. e colocam-se pedaços grandes numa travessa que possa
ir ao forno. Cobre-se a mandioca com manteiga comum, polvilha-se com bastante
queijo mineiro e leva-se ao forno.
Sirva
bem quente com arroz feito no açafrão.
81
Alfinete de canzil
Dona
Totinha já não aguentava mais as estripulias sexuais do marido. Mal ela dormia,
ele ia direto para o quarto da empregada.
Um
dia, olhando a nora trocar fralda no neto, pensou que achara a solução: o
alfinete da fralda. Comprou o maior que encontrou e guardou embaixo do travesseiro.
Quando
o Tibúrcio dormia, ela prendia o alfinete no camisolão dele e na sua própria
camisola.
Tudo
ia dando certo. Quando ele tentava sair da cama, ela acordava. Ele não percebia
nada, só pensava que o sono da Totinha estava muito leve. Por fim, descobriu o
tal alfinete e entendeu tudo. Resolveu esperar a mulher dormir e soltou o
alfinete. E se mandou para o quarto da Marcolina.
Acontece
que ela já estava acompanhada, e ao ouvir os passos do Tibúrcio botou o
assustado parceiro debaixo da cama.
Aberta
a porta, entrou o Tibúrcio, que, nem bem havia deitado, ouviu passos apressados
no corredor. Era Totinha.
Tibúrcio
não teve dúvida: entrou debaixo da cama como sempre.
Aí
aconteceu a tragédia. Debaixo da cama estava o filho mais velho do casal que herdara
as tendências promíscuas do pai.
O
susto foi grande, pois a Totinha já abria a porta com * canzil na mão e aos
berros.
Esperteza
era com o Tibúrcio. Arrastou o filho para o meio do quarto e começou a
xingá-lo:
-
Olhe, Totinha, a pouca vergonha de seu filho! Eu já estava desconfiado.
Totinha
não teve dúvidas, desceu o canzil no filho dizendo que ele tinha saído ao pai.
Foi um frege. A Marcolina aproveitou a confusão e desapareceu.
Totinha
ficou meio desconfiada e não abriu mão do alfinete. Por via das dúvidas, deixou
o canzil atrás da porta.
Consta
que depois desse susto Tibúrcio brochou totalmente, e nem broa de amendoim
comeu mais. Depois de quarenta anos de casados, Totinha, enfim, dormiu em paz.
.*
Canzil: peça de madeira bem forte que prende os bois na canga.
84
Broa
de amendoim
Ingredientes
3
xícaras de amendoim debulhado
1
xícara e meia de chá de fubá
Meia
xícara de chá de óleo ou gordura
3
xícaras de chá de rapadura raspada
Uma
colher de bicarbonato de sódio
Meia
colher de chá de sal
5
ovos
Modo
de fazer
Torrar
o amendoim e depois moer. Juntar o fubá peneirado com a rapadura e água na
panela. Levar ao fogo. Misturar o restante dos ingredientes, formando um angu.
Cuidado para não deixar queimar.
Acrescentar
os demais ingredientes na panela e amassar bem. Na hora de finalizar a broa,
colocar um pouco de fubá numa xícara de chá. Pega-se uma porção de massa
suficiente para uma broa e coloca-se na xícara. Sacode-se a xícara de modo a
envolver a massa com o fubá ate formar uma bola.
Colocar
na assadeira untada e assar em forno quente.
85
As
peripécias de Sinha Guilhermina após a morte
Criatura
intratável, Sinhá Guilhermina nunca foi aceita na pequena vila onde chegou com
o marido. Abriram uma pequena * venda. Tempos depois o esposo morreu, a venda
entrou em decadência, e Guilhermina foi ficando antipatizada pois tinha mania
de bater nas crianças.
Certo
dia, Guilhermina morreu enquanto atendia a um cliente. A novidade correu célere
pela vila. Epaminondas logo deu a notícia e algumas almas piedosas vestiram a
defunta e colocaram-na na cama.
O
pessoal foi chegando para o velório, e, para aflição de todos, não havia nada
para comer. Acharam cinco garrafas de pinga e o “Seo" Eulâmpio, caridoso
como ele só, comprou uns pães de queijo do compadre Geraldo.
Naquele
ermo, o caixão esperava o defunto no cemitério, e Dona Guilhermina ficou na sua
cama de ** colchão de palha de milho, aguardando o raiar do dia para ir de *** padiola
para o cemitério na cidade vizinha, pois nem cemitério a vila tinha. Poucos se
deram o trabalho de ir ao velório.
Lá
pelas tantas, o pessoal já sem assunto e morrendo de sono, viu apavorado a mão
de Dona Guilhermina se agitar. Foi um susto, explicado pelo sono e outras
desculpas.
Daí
a umas duas horas, a pinga já havia acabado e os pães de queijo também. Foi
então que aconteceu o horror total: a defunta começou a se mexer, chacoalhando
e fazendo barulho no colchão de palha.
-
Está viva!, gritaram, e foi um corre-corre.
O
último a sair pôde decifrar o enigma: um vira-lata dormia debaixo da cama, e ao
levantar-se, agitando-se e se espreguiçando, causara a confusão.
Depois
desse susto, aqueles que estavam presentes não aguentaram mais. Resolveram
antecipar o velório.
Como
os homens já estavam bêbados, custaram a colocar a defunta na padiola.
Amarraram mais ou menos e resolveram acabar com o tumultuado velório.
A
criançada subiu nas árvores para ver a cara da odiada Guilhermina. Os
carregadores saíram meio cambaleantes e, na primeira depressão da estrada, um
deles, bêbado, virou o pé e lá se foi tudo para o chão, inclusive a
Guilhermina, que estava mal-amarrada. A pobre ficou toda empoeirada.
Felizmente,
o trajeto para o cemitério era curto e logo chegaram.
Sepultura
já cavada, o caixão estava ao lado. Retirada da padiola, a defunta foi colocada
no caixão.
Os
coveiros tinham trabalhado a noite toda, movidos à pinga, e não perceberam que
a profundidade da cova estava exagerada. Colocaram as cordas em torno do
esquife e o soltaram dentro do buraco. Cordas curtas e cova muito funda, os
coveiros foram puxados para dentro do buraco.
Foi
um grito só. Os poucos presentes levaram um susto terrível e saíram correndo,
enquanto os coveiros gritavam pedindo socorro.
O
esquife se rompera todo com o peso dos dois. Uma perna de Sinhá Guilhermina
levantou-se e bateu na cabeça do coveiro, que gritava feito louco. Os
assistentes custaram a voltar para acudir. Foi difícil tirar os dois de cima da
morta, pois o caixão era barato e não resistira ao impacto.
Algumas
risadas foram inevitáveis, e os presentes se apressaram a sair do cemitério,
temendo mais uma confusão. Senhor Epaminondas jurou que ia passar uns tempos
sem frequentar nenhum enterro. As poucas mulheres presentes diziam que tudo
aquilo era castigo, pois a Guilhermina tinha sido uma peste em vida. O
malfadado enterro foi assunto por muito tempo.
Teve,
porem, um resultado positivo. A partir de então o intendente decidiu que os
caixões não esperariam mais no cemitério. Seriam levados de carroça até a casa
do morto.
.
* Venda: nome que se dava a um estabelecimento que vendia de tudo um pouco.
.
** Colchão de palha: na precariedade da época, retiravam a palha do milho e
recheavam os colchões. Fazia um barulho danado quando a pessoa se virava na
cama.
.
*** Padiola: esteira armada com madeira e fibras que levava o defunto até o
cemitério. Precisava de no mínimo quatro homens para levá-la nos ombros. O
defunto ia amarrado para não cair no caminho.
91
Pão
de queijo
Ingredientes
1
prato de polvilho doce (bem cheio)
1
prato de óleo pelo vinco
1
prato de queijo ralado
1
prato de leite bem cheio
Modo
de fazer
Escaldar
o polvilho, mexendo bem. A qualidade do polvilho tem grande influência. Recomenda-se
os mais rústicos, de grãos maiores.
Colocar
um prato de queijo ralado. Quanto menos queijo, mais o pão de queijo crescem. Amassar
com leite ou coalhada. Fazer as bolinhas e colocar em forno quente.
A
massa pode ser congelada por vários dias.
São
muitas as receitas de pão de queijo.
Pode-se
pegar, por exemplo:
4
copos de polvilho e
escaldar
com 1 copo de óleo
e
copo de leite ou água.
mexer
bem. colocar sal a gosto é misturar
1
prato de sobremesa raso de queijo.
Pode-se
acrescentar ovos à massa, e algumas quitandeiras usam coalhada em vez de leite.
Neste
caso, não se ferve a coalhada com o óleo.
93
O pão de queijo e Minas Gerais
Seria
Minas a terra do pão de queijo? Ou o pão de queijo é o símbolo das Minas
Gerais? Como teria surgido é um mistério. Não se sabe quem inventou. Muitas
pessoas criaram variações dele. Uma coisa é certa: se o polvilho não for de boa
qualidade, não há receita que tenha sucesso.
Parece
que a maior responsabilidade pela sua existência é das escravas, que resolveram
misturar o queijo na massa dos biscoitos.
Falamos
aqui do pão de queijo caseiro, artesanal. E a diversidade de receitas é imensa.
Em lugar de leite, água ou coalhada. Polvilho doce ou azedo. O polvilho azedo é
o melhor, mas é mais difícil de ser encontrado de boa qualidade.
O
legítimo pão de queijo caseiro, ao contrário do industrial, murcha com certa
rapidez. Para evitar isto mistura-se fécula de batata.
Vem
do Sul de Minas a receita que talvez tenha aberto o caminho para o pão de
queijo industrial.
94
Pão de queijo do Sul de Minas
Ingredientes
5 batatas pequenas cozidas e espremidas
1 kg de polvilho azedo
4 ovos
meio kg de queijo ralado
meio litro de leite
1 copo de óleo (requeijão)
1 colher de sopa de sal
Modo de fazer
A maneira de fazer é igual às outras. Se
for usado para aperitivo, põe-se orégano ou recheia-se com um pedaço pequeno de
roquefort.
Esta receita é deliciosa e pode ser
feita bem antes da hora, pois não murcham. Mas não se fazem bolinhas grandes.
Alguns, mais extravagantes, colocam
goiabada ou doce de leite como recheio, mas esse não é o melhor pão de queijo.
Entre o industrial e o doméstico há uma enorme diferença de sabor e leveza.
95
Pão
de queijo de polvilho azedo
Ingredientes
1
kg de polvilho azedo
1
copo americano de leite
1
copo americano quase cheio de óleo
5
ovos
1
prato de sobremesa de queijo ralado
1
colher de sopa de sal
Água
morna para amassar até o ponto de enrolar
Modo
de fazer
Misture
o leite, o óleo e o sal e ponha no fogo. Quando ferver, despeje sobre o polvilho
e mexa bem. Trabalhe com as mãos para tirar as bolinhas feitas ao escaldar. Dez
minutos amassando.
Adicionar
o queijo, os ovos batidos e sovar bem. Como a massa tende a ficar um pouco
dura, vai-se pondo água morna vagarosamente, e sovando até dar ponto de
enrolar. Unte as mãos com óleo, mas não é necessário untar a forma. No forno
bem quente assam muito rapidamente.
O
polvilho azedo é o melhor para o pão de queijo. Ficam mais leves e crescem
bastante.
96
Resumo
Os
comes e bebes nos velórios das Gerais é um livro de receitas. Não
exclusivamente textos que envolvam apenas panelas e bons ingredientes, mas
sobretudo receitas de como dar boas risadas com as histórias do interior.
Déa
Rodrigues da Cunha Rocha é sua autora. Uma mulher que tem as raízes bem firmes
no rico solo mineiro e os olhos atentos à graça das histórias humanas,
principalmente estas das pequenas cidades, ainda temperadas pela ingenuidade e
pela pimenta da sensualidade.
18
histórias acontecidas,
21
receitas para acontecer na sua casa.
O
mais puro sabor de Minas Gerais
---------//
Apresentação
no Sarau Ricadri 5-10-2019
Resumo
Os
comes e bebes nos velórios das Gerais é um livro de receitas. Não
exclusivamente textos que envolvam apenas panelas e bons ingredientes, mas,
sobretudo receitas de como dar boas risadas com as histórias do interior. (
história oral )
A
escritora
Déa
Rodrigues da Cunha Rocha é sua autora. Uma mulher que tem as raízes bem firmes
no rico solo mineiro e os olhos atentos à graça das histórias humanas,
principalmente estas das pequenas cidades, ainda temperadas pela ingenuidade e
pela pimenta da sensualidade.
18
histórias acontecidas,
21
receitas para acontecer na sua casa.
O
mais puro sabor de Minas Gerais.
--
Ler
texto
O
democrata
Os
irmãos Nonato eram extremamente severos e benquistos na cidade. Seu Isidoro,
então, nem se fala. Era convidado para padrinho de todos casamentos. Bem
humorado, ele dizia que o convite era para seu Aero Willys, pois ele fazia
questão de levar as noivas para a igreja. Um dia capotou, e, tentando sair,
ouviu um curioso comentar:
-
Como esse burro conseguiu capotar esse carro nesse lugar?
Seu
Isidoro saiu do carro, já de trinta e oito na mão, e foi logo esclarecendo ao
atrevido que o carro era dele e que ele capotava na hora e lugar que quisesse.
No
mais, seu Isidoro e era só simpatia. Essa simpatia foi testada quando o Justino
* atrapalhou a Maria, sua irmã. Foi o caos.
Os
irmãos resolveram a armar uma tocaia e liquidar o Justino. Foram para o caminho
por onde ele passava todas as noitinhas.
Enquanto
comiam a * matula feita por sinhá Donáira, Isidoro estava pensativo e de
repente disse aos irmãos:
-
Antes de matar eu vou falar com ele. Sou mais democrata do que ocês. Vou dar
uma chance para ele.
Nisso,
surge o Justino na estrada. "Seo" Isidoro se adiantou e gritou:
-
Justino, pera aí! Quero um pé de prosa com ôce. Foi chegando e falando:
-
Fiquemos sabendo que você atrapaiou a Maria, mas, como sou muito democrata vou
deixar ocê escolher entre três jeitos de resolver a situação. Primeiro, ocê
casa. Segundo, nóis te capa. Terceiro, nóis te mata. Como ocê vê, sou democrata
e tô te dando três chances. Meus irmãos queriam te matar sem democracia.
Justino
casou. Foram felizes para sempre.
.
* Atrapalhou, “atrapáia”: tirar a virgindade
.
* Matula: lanche
--
A contribuição
"Seo"
Epaminondas é um mineiro do sertão. Fazendeiro de grandes terras, não perdeu a
simplicidade, e principalmente aquela solidariedade ainda bem típica das
pequenas cidades e de grandes espíritos.
Houve
tempo em que ele era o bem-querer das moças, encantadas com seus olhos
derramados de azul.
Não
se sabe quando, resolveu freqüentar todos os velórios na vila e arredores.
Morreu alguém, la estava ele nos primeiros e tristes momentos, ajudando a família
desorientada.
Tomava
providências, tinha sempre uma palavra boa sobre o morto.
Estimado
por todos, "Seo" Epaminondas era especialmente apreciador do café e *
quitandas servidos na volta da noite durante o velório.
Certa
vez, velando um quase desconhecido, esperava em vão pelo café. E nada. O tempo
passava. A viúva só pensava em chorar. Já havia derramado um ribeirão de
lágrimas e nada de café.
Então,
ele não teve duvidas. Chegou aos amigos e disse:
-
Vamos fazer uma vaquinha? Cada um da um pouco
quê
eu vou mandar buscar umas quitandas, caldo de feijão e uma pinguinha. Defunto a
seco não dá e ainda está bem frio hoje.
Começaram
a pegar os trocados e foi aí que a viúva percebeu o que estava acontecendo.
Aproximou-se solícita:
-
"Seo" Epaminondas, eu também quero colaborar com algum dinheiro, por
favor.
A
resposta veio rápida:
-
Não, minha senhora. Não carece. A senhora já contribuiu com o defunto. É
bastante. O resto é com "nóis".
.*
Quitandas: biscoitos, broas e demais quitutes para se apreciar com café.
---
Estatísticas
do livro
FINALIZANDO
Fazer
comentário sobre a receita
Pão de queijo do Sul de Minas
Ingredientes
5 batatas pequenas cozidas e espremidas
1 kg de polvilho azedo
4 ovos
meio kg de queijo ralado
meio litro de leite
1 copo de óleo (requeijão)
1 colher de sopa de sal
Modo de fazer
A maneira de fazer é igual às outras. Se
for usado para aperitivo, põe-se orégano ou recheia-se com um pedaço pequeno de
roquefort.
Esta receita é deliciosa e pode ser feita
bem antes da hora, pois não murcham. Mas não se fazem bolinhas grandes.
Alguns, mais extravagantes, colocam
goiabada ou doce de leite como recheio, mas esse não é o melhor pão de queijo.
Entre o industrial e o doméstico há uma enorme diferença de sabor e leveza.
A receita produziu 110 unidade.
A surpresa... espero que apreciem Obrigado
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