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sábado, 5 de julho de 2014

Arte: entre o simbólico e o econômico

Mônica Novaes Esmanhotto é graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Mestre em Estética e História da Arte pelo Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC-USP). Trabalha no mercado de arte desde 2005, atuando na área comercial, estratégica e de comunicação. Sua experiência internacional inclui estágio no Guggenheim Museum em Veneza, em 2006, e o curso em Art & Business da Sotheby’s Institute of Art de Londres, em 2010.

 
Desde 2011, ela atua como Gerente Executiva do Latitude – Platform for Brazilian Art Galleries Abroad, projeto de Promoção Internacional e Exportação da Associação Brasileira de Arte Contemporânea (Abact), uma parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), responsável, entre outras ações, por importantes estudos sobre o mercado de artes no Brasil nos últimos anos.

Mônica estará no Cemec de 28 a 31 de julho para o curso Mercado de Artes Visuais, apresentado por Cultura e Mercado, sob coordenação da Abact. Em entrevista, ela fala sobre as características brasileiras desse setor, sua evolução e requisitos para entrar nesse mercado, além de analisar a atual cobertura crítica da imprensa e as polêmicas sobre os valores da arte.

Cultura e Mercado - A última Pesquisa Setorial Latitude indicou crescimento não só no faturamento como no número de negócios realizados pelas galerias. De maneira geral, a que podemos atribuir esse desenvolvimento do setor de artes visuais no Brasil?
Mônica Novaes Esmanhotto - Não acredito numa única força motriz. São vários fatores que formam uma conjuntura favorável. ​No âmbito mais amplo, o crescimento do mercado brasileiro acompanha o crescimento do mercado mundial. Os brasileiros viajam mais, visitam mais museus, fruem mais a arte. O próprio circuito de arte dentro do Brasil se qualificou e complexificou: temos mais oferta cultural, programas educativos cada vez mais eficientes e uma rede que devagar sai do eixo Rio-SP e se estabelece em outras partes do país. Isso é criação de público. É convivendo com arte que as pessoas podem vir a se interessar por levar isso pra casa e adquirir arte.
As galerias oferecem hoje muita facilitação para pagamento e obras que são vendidas a partir de R$ 500. Faz tempo que o nosso mercado deixou de ser alimentado por meia dúzia de colecionadores peso-pesados. O grosso dos negócios gira impulsionado por uma classe média e um público cada vez mais jovem. Isso é totalmente inédito.

CeM - O mercado de arte no Brasil funciona como no exterior ou há características próprias? Quais são as principais?
MN - O modelo brasileiro segue o modelo europeu, mas com muitas lacunas. O modelo europeu se caracteriza por ter uma base de conteúdo muito forte (bons museus, boas escolas, boas publicações) e o mercado se desenvolve sobre estas bases. Não teríamos este prestígio e reconhecimento (que reflete no sucesso dos negócios) se não tivéssemos a segunda Bienal mais antiga do mundo, grandes artistas, bons acervos públicos.​ Nisso, somos bastante diferentes dos BRICs.

CeM – Nossa base de conteúdo é tão forte?
MN – Sim, muito. Mesmo com todas as dificuldades de políticas públicas que sufocam e sucateiam nossos museus, temos vários pontos excepcionais que nos colocam em alto patamar. Se comparar a países cultural e economicamente equivalentes como México, Colômbia somos uma referência, sem dúvida. Alguns exemplos:
1. Bienal de SP – Em 1951, já estávamos fazendo trocas internacionais de altíssimo nível. Antes da Alemanha ter sua Documenta, éramos nós e Veneza somente com um evento de tamanha qualidade. Até hoje a Bienal é referência mundial e um case para o resto do mundo.
2. Qualidade da produção – Nossa produção artística é bem fundamentada, original e de extrema qualidade. Desde os modernistas, profundamente conectada nos movimentos internacionais sem ser subserviente a eles.
3. Qualidade dos acervos – as coleções do MASP e MAC-USP são riquíssimas e têm uma abrangência histórica e artística impressionantes. Os dois museus têm dificuldades particulares de gestão, mas estou falando da qualidade das coleções especificamente.

Por último, o Brasil tem tudo com a leveza e a flexibilidade de ter todas estas estruturas em formação, moldáveis, flexíveis, frescas. Diferentemente de países da Europa que têm um sistema mais consolidado, rico e complexo, mas envelhecido e estagnado. Neste aspecto, as nossas fragilidades viram pontos positivos. Vou te dar o exemplo do modelo oposto, onde a base da pirâmide do sistema não é o conteúdo, mas o mercado. Na China, por exemplo, quem dita as regras do que é bom ou não é o dinheiro: casas de leilão estão na base da pirâmide seguidos das galerias e feiras. Escolas, museus, publicações estão se desenvolvendo só agora.

CeM - De maneira geral, no decorrer da história, o sistema do mercado de arte mudou muito?
MN - Ele ainda funciona sobre as mesmas bases. Considero um setor em processo de maturação. O ciclo de desenvolvimento só começou. Tem muito trabalho a se fazer. Mas, embora atuando nos mesmo grandes modelos, definitivamente é um sistema mais complexo e mais profissionalizado do que há 15 anos. Isso se deve à escala que o mercado passa a atingir e às próprias normas de operação do país que estão muito mais atentos a isso. Na questão da profissionalização, a escala de movimentação de museus e galerias não permite mais que se funcione de forma caseira. A questão da gestão está cada vez mais presente e as novas gerações vão para escola se preparar para atuar nesta área. Um maior contato e maior circulação de pessoas entre fronteira acaba ditando uma forma de operar em que se deve nivelar por cima. Isso é muito positivo.

CeM - Para quem está de fora, é comum achar que esse mercado é muito fechado e difícil. Essa impressão tem fundamento?
MN - ​Eu acredito que ao longo das décadas foi criada uma áurea em torno do tema da arte ligada à cultuação, sacralização e elitização. Por um lado, ​está no cerne da produção contemporânea aproximar arte e vida. Muitos artistas contemporâneos dos anos 1960 em diante tinham isso como mote e isso permanece até hoje. A participação do espectador, a utilização de materiais simples, a ocupação dos espaços urbanos, as experiências sensoriais são elementos presentes na produção atual que trazem pra perto o público de forma mais democrática. Por outro lado, as estruturas herdadas (galerias, museus, universidades) ainda têm uma barreira com o mundo externo. Há muita discussão sobre a “instituição do futuro”, novos modelos, e tenho certeza de que o público como protagonista é uma grande preocupação hoje em dia.

CeM - Quais as principais características que uma pessoa que pretende atuar no mercado de artes visuais deve ter?
MN - Sob aspecto prático: multiplicidade de interesses e habilidades que vão desde a comunicação passando por gestão e domínio do conteúdo artístico. Sob aspecto de formação: entendimento e abordagem crítica e participativa do papel da arte no mundo contemporâneo do ponto de vista social, econômico, diplomático e educativo.

CeM - Quais os principais erros que as pessoas cometem ao analisar o mercado de artes visuais?
MN - Se impressionar com grandes cifras​ e recordes de leilão como se isso resumisse todo o ecossistema deste setor. Outra grande erro é comprar arte pensando exclusivamente em liquidez financeira.

CeM - O que falta na cobertura acadêmica e crítica desse mercado?
MN - ​Falta oportunidade de exercer a crítica de maneira parcial e propositiva sem ser execrado por isso. Falta resgatar a crítica como mais uma ferramenta de expressão artística e menos como uma simples revisão e transcrição textual de mostras, feiras e bienais. Crítica de arte é diferente de jornalismo cultural. Neste aspecto, o Brasil tem alguns nomes históricos brilhantes e também veículos e periódicos que davam espaço pra isso. Durante a ditadura, houve uma perda muito grande deste espaço. Agora há muita gente procurando formação nesta área. Com sorte, teremos boas notícias daqui a algum tempo, mas por enquanto há muito mais veiculação de informação do que de proposição e pensamento.

CeM - Costumamos ver notícias sobre as enormes quantias envolvidas em negociações de arte. Os valores são muitas vezes considerados polêmicos, exagerados. Na sua opinião, as polêmicas é que são exageradas, ou de fato esse mercado atingiu um patamar sem limites?
MN - Esta é uma discussão bastante atual​, a dicotomia: valor simbólico x valor econômico. Recentemente li dois artigos, curiosamente do Financial Times, que debatiam a banalização de quantias enormes de dinheiro empenhadas em obras de ordem de relevância cultural tão duvidosa. Tem que se encarar sem sofrimento de que há momentos no mercado de arte em que se fala de cultura e há momentos em que se fala de dinheiro. Existem caprichos e excentricidades do ser humano que encontram lugar perfeito no sistema da arte e lá cultivarão o exercício de se fazerem conhecer pelo valores e extravagâncias. Um profissional do setor que desenvolve um olhar crítico a respeito do seu meio e não simplesmente aceita tudo que acontece vai saber identificar isso. E até se divertir.

fonte: @edisonmariotti #edisonmariotti http://www.culturaemercado.com.br/entrevistas/arte-entre-o-simbolico-e-o-economico/

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