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domingo, 20 de julho de 2014

Museu em Los Angeles preserva história da Alemanha Oriental


Mesmo 25 anos após a queda do Muro de Berlim, a RDA e seu regime comunista são demonizados ou idealizados. Com distância espacial e emocional, o "Museu da Virada" procura uma visão neutra e informativa.




"Essa é uma BT6, uma das primeiras torres de vigilância, que são menores que as posteriores", diz Justin Jampol, apontando para a construção de cerca de dez metros de altura, à sua frente. Situada na praça Leipziger Platz, ela é a última torre de vigilância da República Democrática da Alemanha (RDA) no bairro berlinense de Mitte.

O americano de terno escuro da Hugo Boss está visitando a capital alemã. Especialista na história da Alemanha Oriental, é graças a ele que muitas relíquias da Guerra Fria foram salvas do esquecimento: em 2002 Jampol fundou nos Estados Unidos The Wende Museum. O termo Wende (em alemão: mudança, virada) designa o período de setembro de 1989 (início da Revolução Pacífica contra o regime comunista na RDA), até a reunificação do país, em 3 de outubro de 1990. O museu reúne cerca de 10 mil artefatos. Um feito considerável, pois é a maior coleção, fora da Europa, de testemunhos do quotidiano da RDA e da Guerra Fria.

O natural de Los Angeles teve a ideia inicial do projeto na década de 90, quando estudava História em Oxford: ele começou a coletar objetos do dia a dia da RDA que eram despejadas aos montes em aterros sanitários ou simplesmente destruídos. A iniciativa não partiu de razões sentimentais, já que ele não possuía qualquer ligação pessoal com a Alemanha Oriental, mas sim de seu interesse na história do quotidiano. Naturalmente ele vive enfrentando preconceitos, conta Jampol, pois, em se tratando de um americano que coleciona peças da RDA, a maioria das pessoas logo pensa em alguma espécie de kitsch comercial.


Justin Jampol, diretor do Wende Museum, visita Berlim

Entre "lestalgia" e pesquisa

Pela Leipziger Platz passa um dos muitos "Trabi-Safaris" que se realizam em Berlim. O escapamento dos carros Trabant, o "Volkswagen da RDA", solta fumaça densa, um cheiro que evoca tempos passados. Trata-se de um chamariz turístico, assim como as inúmeras barraquinhas que vendem peças de uniformes do Exército Nacional do Povo, ou os bonés dos vigias de fronteira, que abundam nos mercados de pulgas.

Justin Jampol entende esse desejo de captar uma “sensação de RDA” ou até de conservar a história da Alemanha Oriental com suvenires dos "velhos tempos". Mas é justamente essa ostalgie (neologismo alemão, aproximadamente: "lestalgia", nostalgia da vida no antigo Leste Europeu comunista) que dificulta seu trabalho, já que o Wende Museum não é nenhuma coleção de relíquias devocionais.


Filmes educativos da RDA fazem parte do arquivo do museu em Los Angeles

A instituição em Los Angeles se autodefine como um centro de pesquisa, onde mais de 6 mil documentários e filmes educativos, declarações audiovisuais de testemunhas e outros documentos estão à disposição de historiadores, jornalistas, artistas e estudantes. Um arquivo sem igual que é intensamente explorado, comenta Jampol, sem esconder um certo orgulho. Ele considera importante essa distância espacial e emocional com relação à Alemanha e à história da RDA, pois é o que lhe permitiu ter uma visão mais neutra do passado.

O próprio historiador ficou surpreso quando descobriu o quanto o dia a dia dos alemães do Leste era avançado, em áreas como saúde e educação. Como exemplo, cita um filme educativo sobre a aids, produzido em 1988 sob encomenda do Museu de Higiene de Dresden.

Liebe ohne Angst(Amor sem medo) traz cenas de amor eróticas, entrevista jovens em casas noturnas, e dá dicas aos professores sobre como tratar do tema em sala de aula. E isso numa época em que, nos Estados Unidos, a educação sexual nas escolas era tema de polêmica. Tais testemunhos também podem servir para corrigir a imagem que se tem da RDA, acredita Jampol.


Mais de 6 mil documentos audiovisuais preservados em Los Angeles

Para além da Alemanha Oriental

Mas os interesses do carismático fundador não se resumem à RDA. A seu ver, a vida numa cidade dividida, com um muro e um sofisticado sistema de vigilância, é um tema que ultrapassa em muito a história alemã oriental concreta. Por isso, ele oferece em seu museu frequentes simpósios e programas de residência artística, que situam a problemática num contexto maior. Pontos de conexão importantes para seu trabalho são os movimentos árabes de libertação, os conflitos nas ex-repúblicas da União Soviética, na Coreia, em Beirute e Israel.

Justin Jampol é o perfeito embaixador em causa própria, com um interminável repertório de anedotas sobre a RDA. Suas fontes são estudos e numerosas conversas com testemunhas da época. "Sendo americano, não tinha nada a ver com a relação entre alemães orientais e ocidentais, havia menos reservas em relação a mim."

Ele sabe as cores com que eram pichadas as torres de vigilância, analisa a psicologia dos vigias. "Muitas vezes, eram órfãos crescidos em instituições estatais e, portanto, cem por cento crentes no sistema. Mesmo depois que ele caiu, queriam continuar o seu trabalho, e voltavam repetidamente aos seus postos, que já não existiam mais."

Em 9 de novembro de 2014, 25º aniversário da queda do Muro de Berlim, o Wende Museum de Los Angeles se mudará para o National Guard Armory. O antigo arsenal, construído no início da Guerra Fria, fica ao lado de um parque em memória dos veteranos americanos. “Um lugar perfeito”, define Justin Jampol.
 
 
fonte: @edisonmariotti #edisonmariotti http://www.dw.de/museu-em-los-angeles-preserva-hist%C3%B3ria-da-alemanha-oriental/a-17780334

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