HISTÓRIA, CINEMA E LINGÜÍSTICA
No campo das ciências humanas a
linguística destaca-se como área que apresenta um vasto domínio a ser
pesquisado. Muito do que as línguas podem contribuir para a compreensão do
processo de desenvolvimento e construção do homem enquanto ser histórico foi por
muito tempo preterido nas diversas áreas da pesquisa histórica.
No campo da história, Roy Porter (1993)
afirma que os historiadores, ao longo do desenvolvimento da disciplina, optaram
por determinados recortes culturais, negligenciando a importância da linguagem
devido à profunda ligação desta com a própria existência. Burke (1993) destaca
a dissensão entre a sociologia, a antropologia e história, no sentido de
analisar aspectos da linguagem, no contexto de determinada disciplina, adotando
métodos das demais. Em meados do século XIX, a linguística passa a
ser desenvolvida enquanto ciência que buscava a compreensão das línguas no
processo histórico, suas mudanças e variações: O século dezenove é a era
da linguística comparativa e histórica – ou seja, da busca de
similaridades e diferença entre as línguas e suas relações históricas uma com
as outras, e o desenvolvimento de um vocabulário científico e ferramentas para
alcançar este objetivo. (FISCHER, 2009, p 198).
Contudo, a questão da linguagem foi
desenvolvida por pensadores e filósofos em teorias, possivelmente desde que o
homem se reconheceu como ser passível de comunicação por meio da fala. Fischer
(2009) afirma que já no século VIII a.C., na Índia, houve os primeiros esforços
no intuito de preservar a literatura oral hindu. O sofista Górgias de Leontinos
desenvolveu no século V a.C. o Tratado do Não-ser, no qual a inexistência do
ser se daria através da impossibilidade de pensá-lo e comunicá-lo.
Pensamento que enfatiza a questão da
linguagem no processo de compreensão do ser negando a existência do discurso
(DINUCCI, 2008). No século IV a.C. Aristóteles observa o homem como ser dotado
de fala (logos = palavra) e determina o ser humano como único capaz de, por
meio desse valor, desenvolver-se socialmente e politicamente (CHAUÍ, 2003).
Já no século XVIII,
Rousseau (1997) desenvolve seu Ensaio Sobre a Origem das Línguas e afirma
que “a palavra distingue os homens entre os animais; a linguagem, as nações
entre si”. A linguística se divide em campos voltados à compreensão das
formas de expressão da linguagem através da oralidade ou da escrita, e assim
busca estruturar os estudos a fim de determinar diferenças, padrões,
estruturas, combinações e significados das palavras, assim como estilos de
linguagem, aplicação de oralizações, o conjunto de palavras de um idioma e
a análise de textos de línguas antigas. Neste sentido
a linguística vai além de uma compreensão estritamente social da
linguagem, e oferece às demais disciplinas diversas possibilidades de estudo,
os quais contribuem para a construção de novas abordagens.
Neste sentido, Burke (1993) afirma que
nas últimas décadas, revelou-se, a partir da convergência das disciplinas, a
aproximação de um modelo voltado aos estudos das características históricas,
culturais e sociais da linguagem: Antropólogos e sociólogos voltaram-se para o
passado a fim de explicar de maneira mais completa os desenvolvimentos que
observam no presente, ao passo que os historiadores ampliaram seu campo de
investigação para incluir nele a vida cotidiana das pessoas comuns. (BURKE,
1993, p 10).
A partir da convergência entre as
disciplinas busca-se elaborar uma metodologia que favoreça o estudo da
linguagem no âmbito da história adequada a superar a limitação de um estudo
voltado à compreensão de como a linguística se desenvolveu enquanto ciência, e
determine a forma como as línguas foram construídas no decorrer do processo
histórico. A partir deste contexto é desenvolvida uma abordagem
interdisciplinar, que reúne aspectos da linguística e da sociolinguística, e
que possa determinar as variações na linguagem e suas respectivas ligações
com as mudanças no processo histórico, aproximando-se do que pode ser
denominada uma história social da linguagem (NASCIMENTO, 2003).
Portanto, a compreensão do processo de
construção das línguas é fundamental para a construção do conhecimento
histórico, e é um recorte que oferece subsídios relevantes a uma abordagem
social e cultural da história. Baseado nos conceitos linguísticos, em busca de
desenvolver o conceito de história social da linguagem, Peter Burke desenvolveu
algumas obras voltadas a essa questão.
Em seu artigo, que contempla os
diferentes usos do latim no período pós-medieval, Burke (1993) relaciona o
uso da língua ao contexto social da época. O historiador atribui à língua
falada de diferentes formas em diferentes estratos sociais o poder de
instrumento de divisão social profundamente associado à produção e construção
da cultura, que apartava mulheres e plebeus da elite cultural masculina e
erudita.
Uma vez que a língua está ligada à
cultura, esta também está sujeita ao processo de transformação constante que a
perpassa. Assim, dotada de certa maleabilidade, a língua experimenta
transformações no decorrer do processo histórico, particularmente com as
mudanças que ocorrem no meio social e no espaço de difusão do idioma. Para
Joyce (1993), a linguagem é importante fator na construção social das
identidades coletivas e individuais. Seu estudo sobre os dialetos das classes
populares inglesas e a produção literária em dialetos revela a linguagem como elemento
fundamental, gerador de conflitos ou entendimentos, que aproxima ou afasta
classes sociais.
Ainda segundo Joyce, com a adoção de um
modelo educacional obrigatório na Inglaterra do século XIX, houve uma prematura
determinação da morte dos dialetos, porém, a linguagem utilizada por populares,
tida como inculta e vulgar, persistiu ainda no processo de ensino-aprendizagem
e levou ao maior sucesso do modelo educacional em locais onde os dialetos
sobreviveram e foram incorporados ao modo de ensinar. Neste contexto destaca-se
a relação entre pensamento e linguagem, observada no processo histórico.
Segundo Vygotsky (2000), o desenvolvimento do pensamento está associado à
obtenção da fala e da associação das palavras com a realidade.
Burke (1993) afirma que o ato de pensar
ocorre em determinada língua. Portanto, no processo apresentado por Joyce, o
sucesso da aprendizagem se deveu ao fato de que, internalizados os dialetos, a
aprendizagem tornar-se-ia mais satisfatória com a adoção de um modelo educacional
no qual a língua materna fosse incorporada.
A linguagem analisada no contexto da
conquista e dominação é apresentada por Kiernan (1993) que discorre a respeito
das línguas no processo de formação das grandes civilizações e impérios. Assim
como qualquer produção histórica do homem, novas línguas surgem com o passar do
tempo e outras estão fadadas ao desuso ou total desaparecimento. Segundo
Kiernan, a conquista de territórios por impérios e civilizações é um fator
crucial no processo de aquisição e construção de novas linguagens.
Os historiadores, por via de regra,
prestam pouquíssima atenção às maneiras de falar dos povos sobre os quais eles
escrevem. Mas a guerra e a conquista, pode-se dizer, têm sido os mais poderosos
árbitros dos destinos das línguas humanas. (KIERNAN, 1993, p 259-260).
No processo de conquista de povos e
territórios, a colonização e migração compulsória de grandes comunidades
ocasionavam uma aproximação entre línguas distintas, segundo Kiernan, “quando
duas delas são colocadas em contato estreito à força, sempre influenciam uma a
outra em algum grau” (1993, p 259). Neste processo o embate em busca da
hegemonia de apenas uma língua acarretava alguns fins possíveis: a) a imposição
da língua do dominador; b) a adoção da língua do dominado; c) a
miscigenação e construção de uma nova língua.
É necessário levar em consideração que
devido a não rigidez que a linguagem apresenta um dos fatores não eliminaria os
demais, ou seja, mesmo que o idioma do dominador se impusesse o surgimento de
novos dialetos não estaria descartado, assim como a presença de comunidades
mais conservadoras levaria à preservação do idioma do dominado. Kiernan ainda
destaca o papel da mulher neste processo, como salvaguarda e transmissora das
línguas aos descendentes.
Direcionada aos estudos da linguagem em
relação à cultura, visando estabelecer o processo de construção da norma culta
no Brasil no período entre 1920 e 1930, Silva (1999), afirma que qualquer
estudo que busque estabelecer o desenvolvimento histórico de determinada língua
é possivelmente influenciado por interesses sociais do grupo a ser estudado.
Neste sentido, trabalhos voltados à compreensão dos modos pelos quais a
linguagem se constrói no processo histórico visariam à ocultação de ideologias,
contradições e conhecimentos, no intuito de revelar apenas pareceres positivos
em relação ao objeto de estudo. Silva justifica este ponto ao afirmar que tais
abordagens buscam apresentar o cunho social da linguagem, não se atendo ao fato
de a linguagem tratar-se também de um processo natural e cognitivo, no sentido
de que tais abordagens também estão inseridas no processo social que procuram
delimitar.
As distinções entre natureza e cultura,
palavra e mundo material, sustentam princípios e concepções que buscam
descrever e decompor as formas fixas da língua para estabelecer hierarquias
entre diferentes línguas – entre as variações de uma mesma língua usada por
diferentes grupos sociais -, entre as várias modalidades de língua e, por
último, definir padrões de normalidade e patologia. (SILVA, 1999, p 40) Kiernan,
em uma inferência sobre a origem das civilizações, afirma que a desnecessidade
de promover esforços para criar novas línguas voltou os homens para a
construção das civilizações. De fato, o processo de construção das línguas, que
reflete os esforços do homem no intuito de estabelecer a comunicação,
marcou profundamente o processo social e histórico no sentido de estar tão
intrinsecamente ligado a todo o processo, estabelecer influências e determinar
acontecimentos, que se torna indispensável à análise histórica e sociocultural
da linguagem no sentido de compreender o processo de construção do próprio
homem.
fonte: @edisonmariotti #edisonmariotti
produção bibliográfica de Giselle Gubernikoff
continuação: dia 08/07/2015 as 12:00hs série 3/5
Giselle Gubernikoff
Possui o 1o. Ano de Jornalismo pela Fundação Armando Álvares Penteado (1971), graduação em Artes/Cinema pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (1976), mestre em Artes/ Cinema pela Universidade de São Paulo (1985), doutora em Artes/ Cinema pela Universidade de São Paulo (1992), livre-docência em Ciências da Comunicação/ Publicidade pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo(2000). Professora Titular pela ECA USP em Artes Visuais/Multimídia e Intermídia na especialização Fotografia, Cinema e Vídeo (2002). Atualmente é professora titular do Departamento de Artes Visuais da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Audiovisual/ Cinema, com ênfase em Produção, Roteiro e Direção Cinematográficos, atuando principalmente nos seguintes temas: mídias digitais e novas tecnologias de comunicação, linguagem cinematográfica, produção audiovisual, cinema publicitário, representação feminina, cinema brasileiro, cinema e consciência cultural e museologia e mídias digitais.
(Texto informado pelo autor)
(Texto informado pelo autor)
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