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domingo, 5 de junho de 2011

Acervo de moda, o Brasil tem apenas uma instituição desse tipo, o Museu do Traje e do Têxtil, em Salvador na Bahia.

Patrimônio fashion
Moda brasileira, que movimenta cerca de U$50 bi ao ano, ganha status de bem cultural e novos desafios


O que são as rendas do Nordeste, os biquínis que desfilam em nossas praias e as coleções pioneiras de Zuzu Angel? Produtos do mercado da moda, diriam uns. Utilitários que cumprem nada mais que a função básica de vestir, diriam outros. Mas são também parte da nossa cultura, pois carregam um pouco do que somos, dos nossos hábitos e peculiaridades.

A uma semana do início de mais uma edição da São Paulo Fashion Week, principal evento de moda do país, que este ano chega à idade de debutante, o assunto vira a tendência desta e das próximas estações, visto que, agora, a moda nacional é oficialmente reconhecida pelo Ministério da Cultura como uma manifestação cultural brasileira.

É fato que a discussão tem ares de moda retrô. Gilberto Freyre, um dos principais intelectuais que se prestou a refletir sobre a formação e a identidade da sociedade brasileira, já havia apontado para essa faceta nem sempre óbvia da moda. No livro "Modos de Homem e Modas de Mulher", lançado logo após sua morte, em 1987, o pensador mostrou como a aparentemente banal indumentária de brasileiros e brasileiras sempre revelou muito dos valores e padrões de comportamento do país ao longo dos anos - desde a rejeição da tropicalidade refletida nos trajes copiados da Europa, então único modelo possível de civilização para o país, até a aceitação da morenidade nas últimas décadas canalizada na moda lançada nas praias.

Mas, agora que o tema é também uma questão de Estado (como já é desde o século XVII na França, quando a terra de Coco Chanel criou um ministério para cuidar da moda, e desde o século passado na Itália, onde ateliês e croquis são protegidos pelo governo assim como prédios históricos e livros raros), com direito a políticas públicas voltadas para formação, pesquisa, memória e divulgação, inclusive com o uso de leis de incentivo, chegou a hora de o setor começar a identificar os pontos de contato da moda feita aqui com nossa cultura e patrimônio.

A passarela a ser percorrida é longa. "O setor não se vê como vetor cultural. Então, antes de qualquer coisa, o próprio setor tem que conseguir superar isso", alerta o estilista mineiro Ronaldo Fraga, representante do Colegiado de Moda no Conselho Nacional de Políticas Culturais do Ministério da Cultura (Minc). Para ele, não é difícil enxergar essas relações. A partir do momento que a moda estabelece diálogo com o seu tempo, se apropriando de aspectos culturais de diferentes áreas, da arquitetura ao cinema, ela é cultura. "Mesmo quando a indústria produz só roupa, como o fast fashion, mesmo assim você consegue entender a moda como fenômeno cultural", completa.

Porém, as fronteiras entre moda e cultura vão muito além das peças das semanas de moda e das vitrines. "Quando se fala de moda como patrimônio, a gente está falando também da moda de rua, de produções anteriores, das primeiras escolas de moda, dos primeiros processos de ensinar e criar modelagens", enumera a doutora em história da arte Patrícia Sant’Anna, que atuou como consultora do Minc no diagnóstico que inclui a moda nas políticas do órgão. Nesse caldeirão, podem caber as inúmeras técnicas de confecção de rendas e bordados, a criatividade no uso de tecidos como a chita, as coleções carregadas de mineiridade de Ronaldo, mas, também, a moda com cara de metrópole de Alexandre Herchcovitch. "O segredo é criar uma moda que tenha uma leitura mundial, mas sem perder seu traço único e cultural. Esse é o diferencial, por exemplo, da Isabela Capeto, que é um sucesso no mercado externo. Ela não perdeu o conceito de identidade", comenta o professor do curso de design de moda da UFMG Tarcísio D´Almeida.

Há muito trabalho a se fazer também fora do setor, para o público em geral. Para Angélica Advense, professora do curso de moda da universidade Fumec, será necessário todo um trabalho de educação "estética e pedagógica" para que a população compreenda esse novo status da moda. "Se é patrimônio, se é cultura, tem que ter acesso. Não adianta a moda ser patrimônio e os desfiles serem restritos a compradores, a gente não ter um museu que narra essa história. Parte dos eventos de moda que recebem ajuda do governo poderiam ser destinados à população, complementados com exposições, palestras. As pessoas têm que ter condições de compreender essa linguagem", defende.

Para ler
"História da Moda no Brasil - Das Influências às Autorreferências" (Pyxis Editorial, 640 pág.), João Braga e Luís André do Prado "Modos de Homens & Modas de Mulher" (Global, 333 pág.), Gilberto Freyre


Resgate da memória
O resgate e a preservação da memória de moda no país é outra tarefa do setor. “Não dá pra falar de nada que é brasileiro, sueco ou alemão se você não sabe quem você é, se você não sabe seu passado. É uma situação mínima para desenvolver a moda brasileira”, afirma Patrícia Sant´Anna, reforçando a carência de museus que abriguem acervo relativo à produção de moda. Enquanto a França soma cerca de 20 museus dedicados ao seu acervo de moda, o Brasil tem apenas uma instituição desse tipo, o Museu do Traje e do Têxtil, em Salvador na Bahia.

Ao menos no papel há iniciativas que podem mudar esse quadro. No Rio, a secretaria de cultura mantém em gestação a criação de um museu de moda na Casa da Marquesa de Santos, no bairro de São Cristóvão. Em BH, o projeto Museu Capital da Moda, encabeçado por pesquisadores, busca fomento para criar um espaço cultural que abrigue o acervo já levantado pelo grupo, que inclui vestuário que ajuda a contar a história da moda feita na cidade.

Há também o projeto Museu Virtual Permanente, uma espécie de enciclopédia da moda brasileira em formato de site, coordenado pela Pyxis Editorial e que aguarda patrocínio de empresas para entrar no ar. (PB)


fonte:
http://www.otempo.com.br/jornalpampulha/noticias/?IdNoticia=8078

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