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sábado, 12 de outubro de 2013

Ameaçado, museu ÁfricaBrasil recebe visitas do arcebispo de Aparecida

Ameaçado, museu ÁfricaBrasil recebe visitas do arcebispo de Aparecida e de procuradora da República
Dom Raymundo Damasceno e de Walquiria Picoli exaltam o valor cultural do museu; visitas podem tirar os órgãos públicos de profunda letargia



Desde a inauguração, em fevereiro do ano passado, enfrentando dificuldades para se manter, o ÁfricaBrasil Museu Intercontinental, sediado no Porto de São Mateus, norte do Espírito Santo, finalmente recebeu notícia alentadoras, à altura de sua importância histórico-cultural, ainda ignorada pelos órgãos públicos, em esfera municipal, estadual e federal.

Recentemente, o ÁfricaBrasil recebeu o arcebispo de Aparecida e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil cardeal dom Raymundo Damasceno. Seria uma visita protocolar não tivesse o cardeal afirmado que a Campanha da Fraternidade de 2014 virá com o tema “a contribuição dos africanos na formação do Brasil” e o “tráfico de gente”.

Não foi mero acaso que o cardeal disse isso naquele local. O ÁfricaBrasil reúne um acervo de 4.800 máscaras e esculturas produzidas pelos povos africanos durante os séculos XVIII, XIX e XX, afora documentos, fotos, quadros, objetos da escravidão e instrumentos de suplício utilizados pelos sistema escravocrata. É um cabedal histórico-cultural fundamental para a compreensão da História da África e, sobretudo, do Brasil.

A afirmação de dom Raymundo Damasceno cria a expectativa de que o museu se converta em um centro de informação sobre a participação do povo negro na formação brasileiro. Dom Raymundo disse ainda que faria uma manifestação à presidente da Dilma Rousseff sobre suas impressões do ÁfricaBrasil.

Após dom Raymundo Damasceno, o museu recebeu outra visita alentadora: da procuradora da República no Espírito Santo Walquiria Imamura Picoli. O evento provocou a instauração pelo Ministério Público Federal no Espírito Santo (MPF/ES) de um inquérito civil público para apurar a existência de políticas públicas visando à preservação daquele acervo e do sítio histórico do Porto de São Mateus.

O curador do ÁfricaBrasil Museu Intercontinental, o escritor e historiador Maciel de Aguiar acredita que a visita da procuradora, e sua imediata percepção da importância do acervo, resgata uma dívida secular das elites nacionais com o povo negro. Maciel reuniu aquele acervo por 35 anos, razão pela qual a visita lhe dá a esperança de que o museu não continuará sozinho numa luta travada por décadas.

“A entrada do Ministério Público Federal no processo poderá acabar com a negligência dos órgãos públicos e reconhecer que a arte tribal africana exerceu um papel fundamental no surgimento da arte moderna, o que pode ser comprovado com a semelhança das obras existentes no acervo com as produzidas por Picasso, Modigliani, Salvador Dali e outros grandes nomes da arte universal”, completou Maciel.


Hoje o ÁfricaBrasil Museu Intercontinental é mantido com recursos próprios pelo Instituto ÁfricaBrasil, sociedade civil sem fins lucrativos.

Na década de 1960, o antropólogo Darcy Ribeiro e o romancista Jorge Amado orientaram o jovem escritor Maciel de Aguiar a organizar o acervo e contribuíram para o resgate dessas peças, há muito retiradas da África e que faziam parte de coleções particulares em várias partes do mundo.

Com o objetivo de reunir no Brasil uma grande quantidade de arte africana para contrapor a súmula papal do Século XVI, que dizia ser o africano desprovido de capacidade criativa, inventiva, cultural e não ter religião, e, como tal, poderia ser escravizado, o museu foi se constituindo ao longo do tempo e sofrendo a ação do descaso oficial.



Mas era apenas o ÁfricaBrasil que sofria com a negligência, há milênios, os negros produziram a arte que originou o surgimento do cubismo e a arte moderna, inspirando, ainda, ao menos conceitualmente, as obras de grandes criadores universais como Pablo Picasso e Amadeo Modigliani, o que ainda não mereceu o devido reconhecimento da academia, embora em várias entrevistas o célebre pintor espanhol tenha reconhecido essa inspiração.

Hoje, mesmo após o Congresso Nacional aprovar Lei Federal nº 10.639 que estabelece a obrigatoriedade do estudo, nas escolas oficiais e particulares, da História da África e da contribuição do povo negro na formação da sociedade brasileira, o ÁfricaBrasil Museu Intercontinental continua sendo negligenciado pelos órgãos públicos e os governos municipal, estadual e federal.

Por isso Maciel de Aguiar acredita que “o Brasil, como face ocidental mais representativa da África, poderá, finalmente, dispor de um grande acervo de arte africana, recuperado de muitas coleções particulares espalhadas por vários países, para contribuir com a reparação de uma injustiça secular e o engrandecimento do povo negro que deu uma enorme contribuição para a formação da sociedade brasileira”.

Ele afirma também que espera contar “com uma maior contribuição dos órgãos públicos e das empresas estatais que atuam no Espírito Santo para a manutenção do custeios e ampliação do museu, com a contratação de pessoal especializado, conforme o projeto museológico, que possui entrada gratuita e presta um relevante serviços na valorização da versão da história dos heróis quilombolas que foram esquecidos pela historiografia oficial”.
   


fonte:
http://seculodiario.com.br/13358/17/ameacado-museu-africabrasil-recebe-visitas-do-arcebispo-de-aparecida-e-de-procuradora-da-republica-1

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