Vindo directamente da Bienal de Veneza, Barry Bergdoll, curador do Museum of Modern Art de Nova Iorque, passou pelo Porto, onde defendeu as possibilidades que se abrem quando a arquitectura se expõe perante grandes audiências. E também a pertinência de criar um museu à altura da "riquíssima" cultura arquitectónica da cidade de Siza e Souto Moura.
Barry Bergdoll é o curador principal do departamento de arquitectura e design do MoMA desde 2007
Barry Bergdoll é desde 2007 curador do departamento de Arquitectura e Design de um dos mais importantes museus do mundo, o Museum of Modern Art (MoMA), em Nova Iorque, onde nos últimos dois anos tem trabalhado com o português Pedro Gadanho. Entre as exposições que organizou para o MoMA estão acontecimentos de referência como Bauhaus (2009), Foreclosed: Rehousing the American Dream (2012), Le Corbusier: An Atlas of Modern Landscapes (2013) e, já este ano, Frank Lloyd Wright and the City: Density vs. Dispersal. Em trânsito desde Veneza - esteve na abertura da Bienal de Arquitectura comissariada por Rem Koolhaas -, Barry Bergdoll passou pelo Porto na quarta-feira para apresentar a conferência At Home in the Museum? Reflections on the Role of Architecture in the Art Museum in the Global Experience Economy, que encerrou o ciclo Container & Content, organizado pela arquitecta e investigadora em museologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto Susana Rosmaninho.
Na Bienal de Arquitectura de Veneza, sob o lema Absorbing Modernity, Rem Koolhaas convocou a história e a arquitectura do passado como estratégia para pensar o presente. Qual a sua percepção desta bienal?
Nos últimos anos foi a bienal que criou mais expectativa. Por causa de Rem Koolhaas e da dúvida: “Como é que um star architect passa a ser um star curator?” A curadoria tem-se transformado numa palavra que serve para tudo: “curar” uma refeição, “curar” o guarda-roupa, “curar” as férias… A noção ganhou proeminência, talvez excessiva. Para além disso, Koolhaas lançou o tema com muita antecedência e procurou dar coerência aos pavilhões nacionais. Ou seja, toda a bienal se transformou numa espécie de projecto OMA [Office for Metropolitan Architecture]. Sendo um edifício construído por muitas pessoas, esta edição tem uma personalidade singular.
Eu estava curioso porque quando Koolhaas toma uma coisa em mãos, transforma-a em algo com um enorme valor. O projecto de pesquisa histórica implícito em Absorbing Modernity e o grande entusiasmo que gerou deram-lhe relevância. Até porque a nossa história pode ser diferente da que associamos à primeira Bienal de Arquitectura de Veneza, A Presença do Passado, organizada por Paolo Portoghesi em 1980. Sendo historiador, naturalmente apreciei a conjugação desta colossal acumulação de material, particularmente nos pavilhões nacionais. Mas admito a minha perplexidade: vim embora e ainda não absorvi a absorção da modernidade. Continuo a procurar compreender qual a mensagem sobre a nossa condição; como é que este trabalho gigantesco respondeu ao desafio de nos mostrar alguma coisa sobre o presente. Talvez daqui a duas semanas já pense de uma forma diferente porque, sendo esta bienal tão provocadora, fiquei a reflectir e a falar sobre o que vi. Foi a primeira vez que estive numa bienal em que a cada jantar e a cada almoço não se falava de outra coisa. E isso é um enorme sucesso. Mas como é que a partir da reflexão sobre como diferentes culturas, diferentes lugares e diferentes figuras absorveram a modernidade se pode organizar um conjunto de conclusões ou de hipóteses de trabalho sobre o momento presente? Como é que tudo isto se relaciona com o debate pós-moderno versus neo-moderno? Continuo com reticências...
Há um paralelismo entre esta bienal e a forma como o MoMA gere a relação entre o passado e o presente da arquitectura, usando a História para encarar a contemporaneidade?
A arquitectura no MoMA nasceu como uma exposição em 1932 – Modern Architects – e essa exposição foi tão marcante e ganhou tanta aura que até hoje, quatro gerações mais tarde, pessoas que não a viram sabem o que ela quis dizer. Do mesmo modo, a arquitectura na Bienal de Veneza nasceu com Paolo Portoghesi – apesar de ter havido experiências anteriores – numa exposição construída como um manifesto do pós-modernismo. É interessante juntar estes dois momentos e enquadramentos institucionais, mas é uma questão delicada. Não posso dar uma resposta conclusiva. Não acredito verdadeiramente que seja necessário instrumentalizar toda a história; por outro lado, sempre que se leva a cabo uma pesquisa histórica num contexto público deve ser-se capaz de responder às questões propostas. Porquê este assunto e porquê agora?
Nas exposições do MoMA parece existir uma grande tensão entre comunicar para um público alargado e preservar uma aproximação rigorosa – quase académica – aos conteúdos. Como é que estes dois extremos dialogam entre si?
O desafio é esse, a sobreposição de audiências. O MoMA é um departamento de arquitectura num museu de arte. Por isso é muito diferente, por exemplo, do Royal Institute of British Architects, que faz exposições para um público profissional. No MoMA, por causa do seu impacto, os profissionais seguem de muito perto as exposições, tanto para serem influenciados como para as odiarem ou terem assunto de conversa. O extraordinário é que, das quase 750 mil pessoas que viram a primeira grande exposição que organizei – Home Delivery (2008) –, a maioria não era especializada. É um desafio conceber uma forma de expor que tenha algo a dizer tanto aos profissionais como ao público em geral. Como juntar dois géneros de público, com diferentes capacidades de leitura de documentos arquitectónicos? Numa exposição de arte é mais simples: apesar de nos últimos anos a presença do curador ser cada vez mais forte, prevalece a noção de criar uma experiência não mediada e o mais tranquila possível, uma experiência directa de relação com o objecto de arte. Ora, é um cliché mas é verdade, a não ser que se construam edifícios em tamanho natural – o que foi feito com frequência –, em 95% dos casos as exposições de arquitectura exibem documentos. Muitos desses documentos são difíceis de ler. É como expor pautas de música. Nem todos os que lêem uma pauta são capazes de ouvir mentalmente a música que está escrita. É necessário saber ler música para perceber que não se está apenas a olhar para a caligrafia de Mozart mas também a observar uma música bela. Da mesma forma, que público vai ficar entusiasmado a ver o corte de um edifício? Enquanto o curador de arte procura ter uma personalidade discreta e não se impor, o curador de arquitectura assume com frequência o papel de tradutor entre o trabalho do arquitecto e o público em geral.
fonte: @edisonmariotti #edisonmariotti http://www.publico.pt/cultura/noticia/e-mais-simples-mostrar-arquitectura-num-museu-de-arte-1639872
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