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sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Renovando a gestão de museus - “Hoje no Brasil é ousado pensar em uma gestão que envolva a participação pública na definição de suas ações. Mas o modelo de gestão para os museus do futuro não se limita à sua equipe interna e profissionais terceirizados, inclui também o público frequentador.”

O setor museológico brasileiro vem passando por grande transformação na última década, intensificado pela adesão ao modelo de gestão por Organizações Sociais em alguns Estados, pelas ações do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) em território nacional e pela participação da iniciativa privada ao construir e manter museus integrados à revitalização urbana e ao desenvolvimento econômico de algumas cidades.

 
A afirmação vem de Effie Vourakis, gerente de projetos de Artes do British Council, e Lucimara Letelier, diretora adjunta de artes da instituição. Há poucos meses, eles ofereceram bolsas de estudo na área de museus para cursos de curta duração em Londres, por meio do Programa Transform de Museus. “É claro que cada local tem sua especificidade, mas em termos gerais as questões pertinentes aos museus, como segurança, conservação, atração de novos públicos e sustentação financeira são comuns a todos. E há muito o que se aprender uns com os outros”, diz Lucimara.

Segundo ela, os museus britânicos têm estado especialmente interessados na experiência brasileira de engajamento comunitário com formas de gestão participativa de museus-de-comunidade, como o Museu de Favela e o Museu da Maré. Lá eles também buscam soluções para desafios como encontrar alternativas financeiras para a crise econômica com redução do recurso do governo e também a necessidade de se tornarem relevantes para públicos diversos migrando para a Europa.

“Nos anos 1970/80/90, talvez as questões dos museus britânicos fossem as mesmas dos brasileiros atualmente. Foi um período significativo de modernização da gestão porque os museus começaram a receber recursos da loteria federal e de novos financiadores. Em contrapartida, foram requisitados a oferecer entrada gratuita e a cumprir critérios como planos para desenvolvimento de público.”

No Brasil, lembra a especialista, tradicionalmente os museus tiveram a sua gestão adaptada ao modelo de financiamento via projetos aprovados em Lei Rouanet. Por isso, de certa forma, levaram mais tempo para criarem quadros estáveis de profissionais em sua administração que pudessem assegurar o desenvolvimento institucional. “Muitas vezes o museu realiza muito bem suas exposições com profissionais terceirizados gerindo com eficiência projetos independentes. Mas, a longo prazo, atrasam sua capacidade de construir uma marca forte, de fidelizar públicos cativos e de gerar um fluxo de caixa que financie o futuro e não somente o presente”, explica.

Effie conta que, com as mudanças recentes, existem vários museus brasileiros novos ou revitalizados cuja gestão é muito similar à de outros países. Ao mesmo tempo, esses museus também inovam com soluções e propostas particulares do Brasil que podem servir de inspiração. “Mas se consideramos o amplo universo de mais de três mil museus em território nacional, a diferença em eficiência administrativa ainda é muito grande e há muito desenvolvimento a ser alcançado pela frente.”

Renovação - Identificando uma procura crescente de museólogos buscando se instrumentalizar em seu MBA de Gestão Cultural, a Universidade Candido Mendes e a Associação Brasileira de Gestão Cultural (ABGC) acabam de lançar um MBA em Gestão de Museus. “Percebemos uma demanda real neste campo em expansão, já que o tema não é tão aprofundado nas graduações em Museologia, cujos currículos são mais técnicos e conceituais”, conta Kátia de Marco, coordenadora acadêmica do curso.

Para ela, os museus que ainda focam suas atuações somente na preservação da memória e do patrimônio não atingem sua missão maior de formar, transformar, gerar, divertir e desenvolver. “A interação com o público, a comunicação e a quebra de barreiras para a democratização dos acessos tornou-se uma vertente prioritária na museologia contemporânea”, afirma. “Os museus se tornam células sociais, espaços que dialogam e atuam em suas dimensões urbanas, sociais e digitais, espaços do encontro e de lazer, espaços da memória e laboratórios de inovação e desenvolvimento através da arte, cultura e do conhecimento.”

Effie defende que renovar os museus passa pela mudança do modelo de gestão, mas não se limita a ele. É mais importante uma mudança na visão do papel do museu e seu impacto na vida das pessoas. Como consequência, o modelo de gestão irá se desenvolver. “Existem algumas premissas importantes para que os museus consigam mudar a percepção pública de ‘lugar de coisa velha’ para lugar vivo, dinâmico, interessante, acolhedor, desafiador e construtor de novas realidades. Não há nada de errado com os objetos antigos do museu. Colecionar é sua função primordial. Mas os objetos sem conexão com a realidade de cada indivíduo e com as crenças dos grupos aos quais pertence não têm valor para ele. E dessa desconexão nasce o desinteresse por frequentar museus.”

Para ela, ainda há muita resistência no que se refere a quais públicos o museu deve servir, de que forma, com qual linguagem e em quais locais. “Ou seja, há uma série de restrições que se tornam empecilhos para a criação da conexão com públicos diversos.”

Rosane Carvalho, coordenadora de conteúdo do MBA da Candido Mendes, diz que embora as pesquisas de público ainda sejam escassas, elas revelam que muitas pessoas se queixam de não serem motivadas a visitar museus porque não se sentem devidamente informadas sobre as exposições e a programação cultural desses espaços. Por isso, os profissionais precisam cada vez mais de atualização e capacitação para atuarem nas áreas de desenvolvimento de público, comunicação e gestão de forma integrada.

Os principais acertos na gestão de museus vêm, segundo ela, do levar em conta tanto a interpretação do acervo quanto os serviços que visam a maximização da experiência do visitante. Acesso a transporte, facilidade de estacionamento, acesso a deficientes físicos, legendas em vários idiomas, folhetos e visitas guiadas, conforto para refeições, facilidades e programas especiais para famílias com crianças são alguns exemplos que têm tornado os museus competitivos na mente do consumidor em relação a outras opções de lazer.

Os museus tornaram-se espaços multidisciplinares, lembra Effie. Coleções sem edifícios, edifícios sem coleções, áreas de lazer e entretenimento, templos para contemplação, locais de encontro, espaços de convivência familiar, símbolos de glamour, locais de compra e gastronomia. Mas não deixaram de ser importantes espaços de educação informal, centros de formação artística, locais de reflexão, colecionadores de obras fundamentais para a preservação da memória e construção da identidade de um povo.

“A concepção de museus como espaços culturais multidisciplinares nasce da intenção verdadeira de abrir diálogo. Diálogo com a sociedade, com as universidades, com colecionadores, com doadores, com líderes comunitários, com todos. É uma forma de integrar as coleções e propostas expositivas ao pensamento – e sentimento – dos públicos diversos com os quais se relaciona”, afirma. Por isso, é necessário ter espaços para outras formas de aproximação pública, como auditórios para fóruns, espaços de interpretação cênica e música, áreas de convivência, lojas, restaurantes.

Rosane conta que na estrutura organizacional dos museus norte-americanos, por exemplo, a atividade chamada “Development” engloba os setores de fidelização de indivíduos e empresas, eventos especiais, relações públicas e publicidade, publicações, livrarias, lojas, design de produtos e restaurantes. “Essa atividade tem como objetivo primordial captar recursos para custear as atividades próprias de um museu – aquisição de obras, preservação do acervo, pesquisa e exposições – e aumentar a sua comunicação com os diferentes segmentos de público, também do ponto de vista social, tornando-os mais inclusivos. Aponta também a necessidade dos museus desenvolverem comunicação integrada de marketing e uma articulação interna para maximizar a comunicação de suas mensagens.”

O modelo ideal de gestão, para Effie, seria aquele capaz de acolher profissionais especializados em suas áreas e integrar suas visões para criar relevância, arriscando, ousando em caminhos possíveis para renovar continuamente a coleção de objetos. “Hoje no Brasil é ousado pensar em uma gestão que envolva a participação pública na definição de suas ações. Mas o modelo de gestão para os museus do futuro não se limita à sua equipe interna e profissionais terceirizados, inclui também o público frequentador.”


fonte: @edisonmariotti #edisonmariotti http://www.culturaemercado.com.br/gestao/58187/

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