Um recente artigo do NPR, intitulado Italy's 'Cultural Allowance' For Teens Aims To Educate, Counter Extremism (O subsídio de cultura para os adolescentes na Itália pretende educar, combater o extremismo) demonstra a confusão que existe, a vários níveis e meios, em relação ao acesso à cultura e à cultura como panaceia para vários males deste mundo.
O Presidente iraniano, Hassan Rouhani, e o Primeiro-Ministro italiano, Matteo Renzi (Foto: Alessandro Bianchi / Reuters, imagem retirada do jornal The Atlantic) O título não é um exagero do jornal. Foi o próprio Primeiro-Ministro italiano que, ao anunciar este subsídio de cultura (€500 para cada jovem com 18 anos gastar em produtos culturais), pouco depois dos ataques terroristas em Paris, em Novembro 2015, afirmou: “Destroem estátuas, nós protegemo-las. Queimam livros, somos o país das bibliotecas. Concebem o terror, respondemos com cultura." Destroem estátuas, nós protegemo-las”... Dito pelo Primeiro-Ministro do país que no início deste ano recebeu o Presidente de uma República Islâmica e que - para acomododar as sensibilidades do distinto convidado, mas sem se saber muito bem por decisão de quem - cobriu as estátuas nuas nos museus (aqui e aqui). O convidado é o Presidente de um país que autoriza execuções públicas, manda os dissidentes e defensores dos direitos humanos para prisões horríveis e confisca os passaportes de intelectuais e activistas. O que é que isto diz da nossa Cultura? A medida anunciada pelo governo italiano foi por muitos aplaudida. As palavras e aspirações do Primeiro-Ministro causaram, como é natural, muito boa impressão e foram consideradas um sinal de aposta na Cultura, num momento em que vários outros governos desinvestem. Penso que a iniciativa, tal como outras da mesma natureza antes dela, levanta várias questões: Em primeiro lugar, o que é que a Cultura representa para os políticos? Qual é a visão que eles têm sobre ela a nível da sua própria vida e prática diária (como responsáveis políticos, mas também como pais, profissionais de diferentes áreas, cidadãos comuns) e a nível do papel que esta pode ter na sociedade? Será a Cultura uma forma de estar na vida consciente, praticada ou uma espécie de pílula contra os males do mundo (do género “Jovem vai ao concerto de Justin Bieber = Jovem dissuadido de seguir o Islão radical”)? Em segundo lugar - partindo do princípio que se reconhece o potencial contributo da Cultura na construção de uma sociedade mais humana, justa, crítica, tolerante, democrática -, qual seria o objectivo de um investimento na promoção da participação cultural? Lê-se na legenda da fotografia que ilustra o artigo do NPR que o objectivo do subsídio italiano é “ajudar um número crescente de jovens imigrantes a assimilar”. E ainda, o alerta de Barak Mendelsohn, senior fellowno Foreign Policy Research Institute em Filadélfia e perito no combate ao extremismo: “É possível que a Lady Gaga seja exactamente o que vai tornar alguém furioso. Isso não significa que eles aderem aos vossos valores.” Qual é o objectivo, então, da participação cultural e dos ‘encontros’ que esta pode proporcionar? A assimilação do “outro”, o desaparecimento das diferenças, a prevalência de uma mono-cultura? Ou a celebração da diversidade cultural, dos princípios que nos unem e também da “contaminação” mútua? Em terceiro lugar, este tipo de investimento na cultura – no formato de “subsídio” (como foi, por exemplo, o Vale Cultura no Brasil ou poderá vir a ser o Cartão +Cultura, anunciado pelo governo português), um investimento isolado, sem contexto, põe ênfase no dinheiro como principal barreira à participação cultural ou como principal estímulo para a sua procura. E insiste em ignorar uma série de outros factores – sociais, intelectuais, psicológicos – que mantém a maioria das pessoas afastadas ou indiferentes. Até quando estaremos a concentrar os nossos esforços na falsa questão do dinheiro em vez de na tarefa, mais complexa e continuada, de reflectir e trabalhar sobre aquelas que constituem barreiras essenciais para quem tem e para quem não tem dinheiro? Com todas as consequências que esta exclusão traz para as nossas sociedades (pelo menos, para quem acredita no contributo da Cultura na construção dessas sociedades) e para a qualidade das nossas democracias. O programa "Ahlan" na Vancouver Art Gallery (imagem gentilmente cedida pelo Institute of Canadian Citizenship / Kenin Hill) Pouco a pouco, fico agora a conhecer melhor o trabalho do Institute for Canadian Citizenship (ICC). A notícia que as cerimónias de cidadania (citizenship ceremonies, em que é atribuída a cidadania a novos canadianos) têm lugar em museus tinha chamado a minha atenção há uns anos. O simbolismo desta escolha de lugar significou muito para mim. Notícias mais recentes sobre o programa “Ahlan”, para a inclusão dos refugiados, e sobre o Cultural Access Pass fizeram-me procurar mais informações. “A diversidade é uma realidade. A inclusão é uma escolha”, lê-se na homepage do ICC. E a sua missão: “Inspirar os Canadianos a serem inclusivos, abraçar novas ideias, praticar uma cidadania activa e sentirem-se donos da nossa cultura e espaços colectivos”. A Cultura é um factor presente, activo, na forma como o ICC procura prosseguir a sua missão. Não é apenas uma teoria nem, muito menos, é dada como pílula. E até é muito tentador querer acreditar que a eleição de Justin Trudeau como Primeiro-Ministro possa ser também o resultado desta Cultura; um resultado da prática desta Cultura (se bem que falta ainda ver como vai receber um dia o Presidente do Irão). De qualquer forma, parece-me ser um caso que valerá a pena estudar melhor porque coloca questões muito mais profundas e fundamentais do que a distribuição - desapoiada, descontextualizada - de subsídios ou de entradas gratuitas.
Fonte: @edisonmariotti #edisonmariotti
Cultura e conhecimento são ingredientes essenciais para a sociedade.
A cultura e o amor devem estar juntos.
Vamos compartilhar.
|
quarta-feira, 5 de outubro de 2016
Justin Bieber e o combate ao extremismo islâmico.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário