Há quem considere “A Sonata Kreutzer” a melhor obra do conde escritor. Outros, na contramão, rejeitaram as opiniões de Tolstói, e Theodore Roosevelt chegou a dizer que ele era um homem com uma "moral sexual pervertida".
“Crime de honra”
O protagonista, Vassíli Pozdnichev, conta a um companheiro de viagem no trem que matou a mulher quando, ao voltar de viagem uma noite, encontrou-a tocando música com outro homem. O veredito no tribunal foi que o assassinato foi provocado por adultério e, por isso, seguindo a moral absurda da época, ele foi absolvido.
Depois daquele episódio terrível, Pozdnichev passa por um “renascimento espiritual” e diz ter percebido o “estado perverso da sociedade”: "Não foi naquele dia que a matei, mas muito antes. Assim como eles matam agora, todos, todos..."
Pozdnichev é uma espécie de Bentinho: o livro nunca deixa claro se a mulher foi infiel a ele ou não. Tolstói está muito mais preocupado com sentimentos que com ações. Na epígrafe de “A Sonata Kreutzer”, o autor cita o Evangelho: “Todo aquele que olhar para uma mulher, com o desejo de possuí-la, já cometeu adultério com ela no seu coração.”
“Tolstói acreditava que o infortúnio da família de seus personagens provinha da promiscuidade sexual deles antes do casamento, a qual ensinou-os a esperar da vida familiar a satisfação dos desejos carnais acima de tudo. A decepção leva Pozdnichev a odiar a mulher e ter um ciúme obsessivo”, segundo escreve Andrei Zorin no livro “A vida de Lev Tolstoi” (ainda sem tradução para o português).
Círculo vicioso
Discutindo a educação sexual de meninos e meninas, Pozdnichev nota com amargura o quanto a sociedade laica é “moralmente corrupta”. Entre as pessoas de seu círculo social, é considerado normal e até saudável que os homens "se entreguem à devassidão" antes do casamento.
Pozdnichev compartilha abertamente sua primeira experiência sexual: junto com o irmão, ele foi a um bordel com um grupo de amigos. "Lembro-me de que imediatamente fui tomado por uma tristeza tão profunda que tive vontade de chorar, de chorar pela perda para sempre da minha inocência, das minhas relações com a mulher. Sim, as minhas relações com a mulher se perderam para sempre." É interessante notar que este episódio é autobiográfico: Tolstói teve uma experiência muito semelhante e a descreveu em seus diários.
Ao mesmo tempo, as mulheres da época eram privadas do "direito" de ter relações sexuais antes do casamento. Mas, na opinião de Pozdnichev, as moças “casáveis” não são melhores que prostitutas: seus pais buscam noivos para elas e fazem de tudo para garantir um casamento vantajoso, mas todos os hobbies das tais moças, seja tricotar ou tocar música, visam apenas a impressionar um futuro marido.
Em relação às roupas femininas, Pozdnichev faz todo um discurso de que milhões de pessoas trabalhavam em fábricas apenas para satisfazer os caprichos das mulheres e criar vestidos que pudessem atrair momentaneamente um cavalheiro. Pozdnichev diz que é uma coisa horrível que as mulheres conquistem os homens com lascívia. "Uma vez que ela domine esse recurso, ela abusa dele e adquire uma terrível supremacia sobre as pessoas."
Tolstói desiludido com o casamento
Devido a seus pensamentos ousados sobre o casamento e à ousadia de minar os valores familiares, “A Sonata Kreutzer” foi banida pelos censores imediatamente após a publicação. Além disso, nos EUA, a tiragem de jornais que publicaram traduções da novela também foi proibida.
Mas foram justamente as proibições que aumentaram incrivelmente a popularidade do livro. Na época, Tolstói já era uma celebridade internacional, mas com “A Sonata Kreutzer” ele capturou a atenção de toda a sociedade educada, especialmente a dos jovens. A novela passava de mão em mão em segredo, em cópias manuscritas (em uma espécie de precursor do samizdat soviético).
Pozdnichev descreve como se apaixonou pela mulher: mas, depois de um tempo, ele via aquilo apenas como algum passeio de barco agradável ou um vestido atraente da esposa. Depois do casamento, segue-se uma lua-de-mel “vil”, que nada mais é que um “vício legalizado”. E acontece que o marido não tem ideia do tipo de pessoa que a esposa é e fica surpreso ao ver raiva ou outras novas características nela. Eles brigam e discutem, e a única coisa que pode reconciliá-los é o nascimento de filhos.
É justamente na gravidez e nos cuidados dos filhos que Pozdnichev (assim como Tolstói) vê a predestinação da mulher. É por isso que ele fica indignado ao saber que, após o nascimento do quinto filho, os médicos aconselham a mulher a não ter mais filhos - e vê isso como uma violação da lei da natureza.
Além disso, de acordo com Tolstói, a mulher que não planeja engravidar, mas continua a fazer sexo com seu marido e até usa anticoncepcionais, é totalmente imoral. Essa era uma questão que o escritor levava muito a sério: sua mulher também foi aconselhada a não ter mais filhos, mas ele se opôs a que ela tomasse “medidas” para evitar ficar grávida.
Pozdnichev considerava que o melhor caminho a seguir era a abstinência sexual. Seu companheiro de viagem, ouvinte acidental de sua história de vida, exclama: Mas e a raça humana? A isso, o protagonista responde que concorda com os budistas que a vida humana não tem propósito e que vai acabar de qualquer maneira, por isso não haverá mal se acabar porque todos viverão seguindo a “boa moral”.
“Tolstói obviamente rejeitava um significado positivo do casamento, dando um veredito sobre o casamento: a união de um homem e uma mulher consagrada pela tradição cristã”, escreve o pesquisador especializado no conde Pável Bassinski.
Leitura das mulheres emancipadas
Na década de 1890, “A Sonata Kreutzer” foi fonte de contínuo debate. Bassinski escreve que o livro "foi um dos principais pontos de discórdia da década". O final do século 19 foi uma época em que aumento sem precedentes a emancipação das mulheres. Portanto, não é de surpreender que as leitoras tenham visto outro problema ético na história: por que uma moça deveria permanecer virgem antes do casamento, enquanto seu noivo tinha o direito de gozar de experiência sexual e era até mesmo incentivado pela sociedade a fazê-lo?
Depois de a novela de Tolstói ser lançada, a questão da moralidade sexual passou a ser discutida na imprensa. Uma das primeiras feministas russas, Elizaveta Diakonova, escreveu em seus diários, indignada, que qualquer homem "consideraria uma vergonha para si mesmo" casar com uma mulher que teve relações com outros homens antes dele, enquanto ele próprio considerava normal ter relações sexuais antes do casamento. “E isso ocorre em todo lugar, em toda parte! Tanto na Rússia, quanto no exterior! Oh, meu Deus, meu Deus!", escreveu Diakonova.
by ALEKSANDRA GÚZEVA
https://br.rbth.com/cultura/85340-novela-proibida-de-tolstoi-incentivou-mulheres-a-questionar?utm_source=Newsletter&utm_medium=Email&utm_campaign=Email
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There are those who consider “The Sonata Kreutzer” to be the best work of the count writer. Others, on the contrary, rejected Tolstoy's opinions, and Theodore Roosevelt went so far as to say that he was a man with a "perverted sexual morality". --
"Honor Crime"
The protagonist, Vassíli Pozdnichev, tells a fellow traveler on the train that he killed the woman when, on returning from a trip one night, he found her playing music with another man. The verdict in the court was that the murder was provoked by adultery and, therefore, following the absurd morality of the time, he was acquitted.
After that terrible episode, Pozdnichev goes through a “spiritual rebirth” and says that he realized the “perverse state of society”: "It was not that day that I killed her, but much earlier. Just as they kill now, everyone, everyone ... "
Pozdnichev is a kind of Bentinho: the book never makes it clear whether the woman was unfaithful to him or not. Tolstoy is much more concerned with feelings than with actions. In the title of “A Sonata Kreutzer”, the author quotes the Gospel: “Anyone who looks at a woman, with the desire to possess her, has already committed adultery with her in his heart.”
“Tolstoy believed that the misfortune of his characters' family stemmed from their sexual promiscuity before marriage, which taught them to expect from family life the satisfaction of carnal desires above all. Disappointment leads Pozdnichev to hate his wife and be obsessive jealousy ”, according to Andrei Zorin writes in the book“ The life of Lev Tolstoi ”(still without translation into Portuguese).
Vicious circle
Discussing the sexual education of boys and girls, Pozdnichev notes with bitterness how secular society is "morally corrupt". Among people in your social circle, it is considered normal and even healthy for men to "indulge in debauchery" before marriage.
Pozdnichev openly shares his first sexual experience: together with his brother, he went to a brothel with a group of friends. "I remember that I was immediately overcome by a sadness so deep that I wanted to cry, to cry for the loss forever of my innocence, of my relations with the woman. Yes, my relations with the woman were lost forever. " It is interesting to note that this episode is autobiographical: Tolstoy had a very similar experience and described it in his diaries.
At the same time, women at the time were deprived of the "right" to have sex before marriage. But, in Pozdnichev's opinion, the “marriageable” girls are no better than prostitutes: their parents look for fiancés for them and do everything to guarantee an advantageous marriage, but all the hobbies of these girls, be it knitting or playing music, aim only to impress a future husband.
With regard to women's clothing, Pozdnichev makes a whole speech that millions of people worked in factories just to satisfy the whims of women and create dresses that could momentarily attract a gentleman. Pozdnichev says that it is a horrible thing for women to conquer men with lust. "Once she masters this resource, she abuses it and acquires a terrible supremacy over people."
Tolstoy disillusioned with marriage
Due to her bold thoughts about marriage and her boldness to undermine family values, “A Sonata Kreutzer” was banned by censors immediately after publication. In addition, in the USA, the circulation of newspapers that published translations of the soap opera was also prohibited.
But it was precisely the prohibitions that increased the book's popularity incredibly. At the time, Tolstoy was already an international celebrity, but with “A Sonata Kreutzer” he captured the attention of all educated society, especially that of young people. The novel passed from hand to hand in secret, in handwritten copies (in a kind of precursor to the Soviet samizdat).
Pozdnichev describes how he fell in love with his wife: but, after a while, he saw it only as some nice boat ride or an attractive wife's dress. After the wedding, a “vile” honeymoon follows, which is nothing more than a “legalized addiction”. And it turns out that the husband has no idea what kind of person the wife is and is surprised to see anger or other new characteristics in her. They fight and argue, and the only thing that can reconcile them is the birth of children.
It is precisely in pregnancy and in the care of children that Pozdnichev (like Tolstoy) sees the predestination of women. That is why he is indignant to learn that, after the birth of the fifth child, doctors advise the woman not to have any more children - and sees this as a violation of the law of nature.
In addition, according to Tolstoy, a woman who does not plan to become pregnant but continues to have sex with her husband and even uses contraceptives is totally immoral. This was an issue that the writer took very seriously: his wife was also advised not to have any more children, but he was opposed to her taking "measures" to avoid becoming pregnant.
Pozdnichev believed that sexual abstinence was the best way to go. His traveling companion, an accidental listener to his life story, exclaims: But what about the human race? To this, the protagonist replies that he agrees with Buddhists that human life has no purpose and that it will end anyway, so there will be no harm in ending it because everyone will live according to "good morals".
"Tolstoy obviously rejected a positive meaning of marriage, giving a verdict on marriage: the union of a man and a woman consecrated by the Christian tradition", writes the researcher specialized in Count Pável Bassinski.
Emancipated women reading
In the 1890s, “A Sonata Kreutzer” was a source of continuous debate. Bassinski writes that the book "was one of the main points of contention of the decade". The end of the 19th century was a time when women's emancipation increased without precedent. Therefore, it is not surprising that readers have seen another ethical problem in the story: why a girl should remain a virgin before marriage, while her fiancé had the right to enjoy sexual experience and was even encouraged by society to do so. ?
After Tolstoy's novel was released, the issue of sexual morality started to be discussed in the press. One of the first Russian feminists, Elizaveta Diakonova, indignantly wrote in her diaries that any man "would consider it a shame for himself" to marry a woman who had sex with other men before him, while he himself considered it normal to have sex before wedding. “And it happens everywhere, everywhere! Both in Russia and abroad! Oh, my God, my God! "Wrote Diakonova.
by ALEKSANDRA GÚZEVA
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