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segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Máscaras: Bali e Java - Indonésia: Oceano de Ilhas


“(...) A poderosa máscara de Durga, Deusa da Morte e da Magia
Negra, às vezes chamada Rangda, é testada ocasionalmente para
ver se seu poder ainda está iluminando. Se explosões de fogo
saírem dos olhos, ouvidos, cabeça, nariz ou da boca da máscara, 
ela é considerada sakti (sagrada ou poderosa) (...)”






Indonésia: Oceano de Ilhas
Considerando especificamente as culturas de máscaras em Bali e Java, uma rápida pesquisa conclui que elas fazem parte de um universo cultural indonésio em princípio bastante distinto, pelo menos em termos materiais (técnicas e materiais utilizados) – contraste que incita os espíritos inquisitivos. Relatos antropológicos do final do século XIX detalham festas funerárias em muitas sociedades pelo mundo afora, e o planeta indonésio não é uma exceção nesse caso. Geralmente, trata-se de auxiliar o espírito do morto em sua jornada para o lugar dos ancestrais e, ao mesmo tempo, assegurar o bem-estar dos sobreviventes. No extremo oeste da Indonésia, por exemplo, mais especificamente nos ritos funerários entre os Batak ao norte de Sumatra, nota-se essa ambivalência dos vivos em relação aos mortos. Eles acreditam que se os espíritos de defuntos importantes não forem honrados por uma cerimônia que inclua oferendas, dança com máscaras, comida (abate ritual de uma vaca e distribuição da carne; no passado, homens e cavalos eram sacrificados), ficaram furiosos e causaram estragos entre os vivos. Essa cerimônia inclui dois mascarados, que representam um cavalo e um homem – que pode ser também um homem, uma mulher, um cavalo ou um pássaro Calau. Dançarinos mascarados (cujas almas são dedicadas ao morto) seguem o caixão até a sepultura, acompanhados por uma orquestra gondang, assegurando a ele que seus descendentes continuarão a servi-lo e pedindo que os proteja - após a cerimônia as máscaras são enterradas com o corpo ou penduradas na lápide (ou uma pequena casa construída sobre a sepultura). A utilização do gancho (como o formato do bico do Calau) como um elemento simbólico e decorativo na arte da Papua Nova Guine deriva de uma fonte arcaica, e provavelmente está relacionado às culturas da Idade do Bronze do sudeste asiático e arquipélago indonésio, de onde as primeiras migrações para lá (e para a Austrália) vieram. Por todo o sudeste asiático o bico do grande Calau é relacionado à alma, o ancestral do mundo espiritual, seu bico enorme muitas vezes é retratado em figuras ancestrais como um acessório de guerra e da caça de cabeças. (imagem acima, close da máscara de Rangda, entidade que protege da magia negra as aldeias balinesas. Fotografia Don Cole) 




No extremo leste da Indonésia, em Irian Jaya (lado oeste da ilha de Nova Guiné, cujo lado leste é um país independente, a Papua Nova Guiné), o povo Asmat, que vive na costa sul e já foram caçadores de cabeças, possui um culto aos ancestrais altamente desenvolvido, onde mascarados aparecem incorporando seus parentes mortos. Existem dois tipos de máscaras, a primeira se conecta com um corpete feito de fibras vegetais cobrindo a cabeça e a parte superior do tronco, uma saia e mangas feitas com tiras de salgueiro. A outra é mais simples, consistindo de um cone em cestaria com pequenos buracos para a visão e também é usada com uma saia – curiosamente, a confecção de máscaras é mais característica da Papua e do arquipélago Bismarck vizinho. Depois de fabricadas, as máscaras recebem nomes e, como os espíritos de seus ancestrais, aparecem apenas uma vez diante do falecido. A máscara cônica desempenha um papel ambivalente já que, enquanto representa um ancestral, também é uma figura cômica com conotações de fertilidade. Na conclusão da cerimônia, as máscaras são despachadas para o interior da “casa dos homens”, de onde partirão para o mundo dos mortos. A cerimônia com máscaras insiste na continuidade da vida, a despeito dos mortos. Ambos através das associações da máscara cônica com a fertilidade, assim como da identificação dos vivos com os mortos. Tal identificação é mais do que simbólica, uma vez que os portadores das máscaras adotam os filhos dos parentes mortos que personificam. (máscaras acima, à esquerda, Batak. Fotografia Lynton Gardner; à direita, Asmat. Fotografia British Museum Society)



Referindo-se à desinformação que constatou em relação às máscaras primitivas (pré-budistas, classificadas genericamente como “xamânicas”) da região do Himalaia, Marc Petit afirmou (em 1995) que a situação era muito semelhante no caso da arte das populações arcaicas da Indonésia – os Batak de Sumatra, Dayak de Bornéu, Atoni e Belu de Timor, ou, mais ao norte, os habitantes de Atauro e Flores. Havia uma falta de referências mais precisas quanto a esse material mal identificado, que se alojava entre o universo clássico oriental e aquele das artes primitivas. Marc Petit cita como exemplo uma máscara originária de Timor talhada em bambu, material frágil e efêmero, mas cuja expressão facial parece petrificada (B4). Não possuindo em 1995 informações específicas a respeito das máscaras de Timor, Petit considera a hipótese corrente segundo a qual tais objetos, originários da parte ocidental da ilha (etnia Atoni) representam os espíritos de defuntos. Outros exemplos citados são duas máscaras timorenses que não possuem orifícios laterais de fixação (o que acontece também em certas máscaras nepalesas) (C2, C4). Seu estilo sugere aquele dos postes sacrificiais (ai tos) dos Tetum da região de Vikeke, no centro da ilha. Uma terceira máscara (C8) revela, sempre na opinião de Petit, o parentesco entre uma máscara dos Dayak e as máscaras siberianas eInuit (esquimós), ao mesmo tempo em que a distingue entre todos os objetos de Bornéu por seu esquematismo, a relativa simplicidade de sua decoração e seu rigor gráfico. Finalmente, Petit aponta uma máscara de Flores que, como em Timor, também não conta com orifício lateral, mas possui um prolongamento em forma de pescoço que poderia muito bem servir de apoio para a mão que a segurasse (C10). 



Petit considera plausível a hipótese de que as máscaras com longos narizes do Wayang Topeng javanês sejam o desdobramento de um dos três estilos clássicos da Ásia continental (Índia, China e Tibete). Além do mais, sejam originários do Tibete, da China, Índia, do Japão, ou de ilhas indonésias como Madura ou Bali, os personagens representados por essas máscaras têm em comum o fato de serem facilmente identificáveis: deuses, demônios, reis, heróis, etc. Eles têm seu lugar na galeria das figuras mitológicas e lendárias, muitas vezes ligadas a toda uma tradição escrita (como o Ramayana), que constitui a base do patrimônio cultural do Oriente, do rio Indo no Paquistão (Tibete e Índia) às ilhas do estreito de Sonda, entre Java e Sumatra, na Indonésia. Seguindo em suas comparações, Petit afirma que, muitas vezes, o face a face entre máscaras do Nepal e de Timor revelam uma evidente afinidade estética, para além da semelhança puramente formal (C6). Produtos refinados, ainda que trabalhado com material rude, eis a forma que, segundo Petit, se aplica tanto à arte dos montanheses nepaleses (Magar ou Gurund) quanto àquela dos habitantes de grandes ilhas como Sumba e Bornéu, ou pequenas como Flores e o arquipélago de Sonda. A cola de Java e, especialmente, Bali com esse universo indonésio talvez seja o mundo sagrado. Jon Ortner nos lembra de que, apesar da comercialização ocidental (que os faz fabricarem, sem que considerem um sacrilégio, reproduções de suas máscaras sagradas para turistas), os balineses construíram uma sociedade Hindu tradicional e animista. No coração de sua religião está o espírito de Shiva. Conhecido por eles como Siwa Raditya, o Deus Sol, que levou esse mundo para a existência dançando. Portanto, pelo menos para o balinês tradicional (não ocidentalizado), tudo emana do sagrado e o tempo se transfigura num calendário cerimonial que descortina essa realidade divina. Neste particular, se equivalem todas as tradições culturais de máscaras espalhadas entre o sopé do Himalaia e a fronteira líquida com a Austrália (o estreito de Torres salpicado de ilhotas). (imagem abaixo, em cortejo, não muito longe de Bali e Java, os devoradores de arroz Dayak Modang de Bornéu partem para um ataque aos xamãs durante o Hudog, nome das máscaras e da ceromônia que acontece duas vezes por ano, a primeira no momento da semeadura e a segunda durante a colheita. Fotografia Mathieu Garçon)



Ao centro sul do arquipélago indonésio (constituído por pelo menos 3000 ilhas) encontra-se uma espécie de paraíso das máscaras. À leste de Java, uma pequena ilha chamada Bali é povoada por centenas de entidades espirituais, cada uma com sua máscara. Contudo, Hildred Geertz explica que os balineses insistem que sua religião é monoteísta, com a resalva de que seu Deus toma tantas formas quanto os raios do sol. Se os Ocidentais se acostumaram a entender a linguagem da religião como algo imutável e tradicional, em Bali a linguagem é a da criatividade e inovação. Os relatos orais balineses creditam a um entalhador individual a elaboração da forma atual de Barong Ket, o mais conhecido dos demônios-feras quadrúpede que desfila pelas ruas de Bali. Calonarang, a grande peça tragicômica, cujo protagonista éRangda, remonta a um épico do século XVI, mas sua forma atual foi produzida na corte de Gianyar, em 1890. Como em muitas outras culturas, em Bali as danças dramáticas essencialmente põem em movimento significados já inerentes às máscaras – elas não constituem apenas meros recursos visuais ao enredo; influenciando também música, caracterização, encenação. Os balineses acreditam que as próprias máscaras inspiram os dançarinos – que “dão vida à dança”, como eles dizem. “Fornecer um quadro dramático para a apresentação das máscaras é, em termos balineses, dar [a elas] – e aqueles que lhe dão vida – uma chance de ‘falar’ [...], assim como uma chance aos servos humanos das máscaras para entretê-las. As máscaras são, de fato, membros de suas próprias comunidades de aldeias”.


http://corpoesociedade.blogspot.com.br/2014/07/mascaras-bali-e-java.html

Cultura e conhecimento são ingredientes essenciais para a sociedade.

Vamos compartilhar.

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