America is a vast land where many tribes of wild men live with many different languages. There are also many bizarre animals. This land has a friendly appearance, as the trees are green all year round, but the types of wood there are not comparable to ours. All men go naked, because in that part of the earth located between the tropics it is never as cold as, among us, on Saint Michael's day (…). Because of the strong sun, the inhabitants of the land have a reddish-brown skin color. They are a proud people, very cunning and always ready to pursue and devour their enemies. America stretches for a few hundred miles, both to the south and north. I have sailed 500 miles along the coast and been in many places, in one part of that land.
The discovery of the New World would give a radically new meaning to the barbarians, strangers to Greek civilization and language. The geography of navigation transposes barbarians into the figure of savages, associated with the enterprise of European conquest and domination. Anthropophagous, incapable, with cruel customs, the indigenous people were doomed to subjection by the colonizer. Visions more or less permeated by the survival of classics such as Ptolemy and renewed readings about the dangers of navigation or the discovery of transoceanic lands led to a series of reports and a somewhat fantastic iconographic production of both the natural environment and the inhabitants of America.
At the same time, the discoveries give rise to a true fury of knowledge about the indigenous people, in all their aspects – housing, customs, language, means of subsistence, among others – and give rise, above all, to a reflection that equally refers to the Europeans themselves, in contrast to the societies they face. Indigenous people were not always seen as outrageous or as deserving of metropolitan politics. The violence of colonization has been criticized since the 16th century, with examples being the work of Bartolomeu de Las Casas on Spanish explorers, as well as the writings of Michel de Montaigne, whose essays reverse the traditional relationship between civilized people and barbarians, stating that Europeans surpassed indigenous people in “all kinds of barbarism”.
In the 18th century, these texts were continually disseminated. Therefore, the image of free and rational inhabitants was constructed, contrasting with the European conquerors, in a clear allusion to the societies of the Old Regime, which were hierarchical, marked by censorship, religious oppression, and economic extortion by a parasitic nobility. The revaluation of so-called savage societies in the 18th century led to the use of new expressions: indigenous people and inhabitants, natives in English-speaking colonies, and even the term “nations”, recognizing complexity and organization in those cultures. But even among those who postulated the principles of equality and freedom, founded on the philosophical and anthropological program of the seventeenth century, the submission of the noble savage to illustrated pedagogy was implicit. In the 19th century, the Enlightenment tradition experienced the romantic ambivalence that introduced the “savage” into epic narratives and novelistic plots or into a scientific discourse that removed it from culture.
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Hans Staden: A verdadeira história dos selvagens, nus e ferozes devoradores de homens - 1548-1555
A América é uma terra vasta onde vivem muitas tribos de homens selvagens com diversas línguas diferentes. Também há muitos animais bizarros. Essa terra tem uma aparência amistosa, visto que as árvores ficam verdes por todo o ano, mas os tipos de madeira que existem lá não são comparáveis com os nossos. Todos os homens andam nus, pois naquela parte da terra situada entre os trópicos nunca faz tanto frio quanto, entre nós, no dia de São Miguel (…). Por causa do sol forte, os habitantes da terra têm uma cor de pele marrom-avermelhada. Trata-se de um povo orgulhoso, muito astuto e sempre pronto a perseguir e devorar seus inimigos. A América estende-se por algumas centenas de milhas, tanto ao sul quanto ao norte. Já velejei 500 milhas ao longo da costa e estive em muitos lugares, numa parte daquela terra.
A descoberta do Novo Mundo emprestaria um sentido radicalmente novo aos bárbaros, estranhos à civilização e à língua gregas. A geografia das navegações transpõe os bárbaros para a figura dos selvagens, associados à empresa de conquista e dominação europeia. Antropófago, incapaz, de costumes cruéis, os indígenas estavam fadados à sujeição pelo colonizador. Visões mais ou menos impregnadas pela sobrevivência de clássicos como Ptolomeu e leituras renovadas sobre os perigos da navegação ou o descobrimento de terras transoceânicas levaram a uma série de relatos e a uma produção iconográfica algo fantástica quer do meio natural, quer dos habitantes da América.
Simultaneamente, as descobertas dão lugar a uma verdadeira fúria de conhecimento sobre os indígenas, em todos os seus aspectos – habitação, costumes, língua, meios de subsistência, entre outros – e ensejam, sobretudo, uma reflexão que igualmente se refere aos próprios europeus, em contraponto às sociedades com que se defrontam. Nem sempre os indígenas foram vistos de modo ultrajante ou como merecedores da política metropolitana. A violência da colonização foi criticada desde o século XVI, sendo exemplares a obra de Bartolomeu de Las Casas sobre os exploradores espanhóis, assim como os escritos de Michel de Montaigne, cujos ensaios revertem a relação tradicional entre civilizados e bárbaros, afirmando que os europeus ultrapassavam os indígenas em “toda espécie de barbárie”.
No século XVIII, esses textos são continuamente divulgados. Construía-se, portanto, a imagem dos habitantes livres e racionais que contrastavam com os conquistadores europeus, em clara alusão às sociedades do Antigo Regime, hierarquizadas, marcadas pela censura, pela opressão religiosa, a extorsão econômica de uma nobreza parasitária. A revalorização das sociedades ditas selvagens no século XVIII leva ao uso de novas expressões: indígenas e habitantes, nativos nas colônias de língua inglesa, e mesmo o termo “nações”, reconhecendo complexidade e organização naquelas culturas. Mas até entre aqueles que postulavam os princípios de igualdade e liberdade, fundados no programa filosófico e antropológico dos setecentos, estava implícita a submissão do bom selvagem à pedagogia ilustrada. A tradição iluminista conhece no século XIX a ambivalência romântica que introduz o “selvagem” em narrativas épicas e tramas romanescas ou em um discurso científico que o destitui da cultura.
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